Uma floresta de problemas

O Globo, Ciência, p. 31 - 18/07/2013
Uma floresta de problemas
Burocracia, estradas precárias desmotivam visitantes a subir a Serra da Bocaina

RENATO GRANDELLE
Enviado especial
renato.grandelle@oglobo.com.br

SÃO JOSÉ DO BARREIRO (SP) E PARATY (RJ). Entrar no Parque Nacional da Serra da Bocaina, uma das maiores áreas protegidas de Mata Atlântica, exige disposição e paciência. As condições precárias da estrada tornam um veículo 4x4 necessário. Além disso, a identificação na portaria é, muitas vezes, feita pelo preenchimento manual de um formulário. Neste caso, o ingresso na unidade de conservação não é garantido. Afinal, a guarita, a 26 quilômetros dali, pode barrar o turista, alegando que a autorização seria forjada. Não é possível conferir sua autenticidade, porque não há comunicação entre aquela área e a sede da administração.
Para caçadores e palmiteiros, no entanto, o acesso é muito mais fácil. A administração da Bocaina encontrou cerca de 60 entradas clandestinas no parque - lar de espécies ameaçadas como onças, jacutingas e muriquis. Impedir a entrada de criminosos é praticamente impossível. Trata-se de uma unidade de conservação de mil quilômetros quadrados, que se espalha por seis municípios, e é monitorada por apenas 14 fiscais.
'A joia da coroa' entre duas metrópoles
As dificuldades de acesso e as práticas ilegais na Serra da Bocaina ilustram a situação precária dos parques nacionais. Embora não esteja incluída no Programa Parques da Copa, esta unidade é emblemática por sua localização, entre os dois maiores centros urbanos do país.
- Este parque deveria ser encarado como uma prioridade - destaca Ana Carolina Lobo, coordenadora de projetos e de relações institucionais do Instituto Semeia, que elaborou, no início do ano, um programa para aumentar a visibilidade da Bocaina. - A unidade é a joia da coroa entre os dois maiores polos emissores de turistas do país, Rio e São Paulo.
Mesmo sendo uma unidade de proteção integral, ainda existem dezenas de fazendas, presentes desde antes da criação da área de conservação, em 1971. O plano de manejo, jamais implementado, dificulta a tramitação dos processos. Um empresário não consegue vender sua fazenda, que fica a apenas cinco quilômetros da guarita do parque.
- O dono da casa vem aqui a cada três meses, e às vezes ele recebe a visita dos fiscais do ICMBio (o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, órgão responsável pela administração dos parques nacionais) - conta a caseira Vera Aparecida. - Os técnicos dizem que metade da propriedade está dentro da unidade de conservação. Mas acho que nem eles sabem onde o parque começa.
Além do caminho tradicional da unidade, iniciado em São José do Barreiro, é possível explorar suas extremidades pela Estrada Paraty-Cunha. De seus 47 quilômetros, dez são dentro do parque. A pavimentação deste caminho só começou em maio, embora os recursos já estivessem liberados há mais de uma década.
A Paraty-Cunha será uma estrada-parque, um conceito que exige a preservação dos rios e a criação de "bichodutos" - travessias aéreas e subterrâneas de animais.
No trecho fluminense do parque, o turista encontra outras mazelas. Em Angra dos Reis, boa parte do bairro Boa Vista foi construída dentro da unidade de conservação. Só aquela região concentra três mil habitantes em situação irregular. Como a infraestrutura disponível àqueles moradores está consolidada, a administração da Bocaina já considera esta área definitivamente perdida.
O parque acaba nas praias do Meio e do Cachadaço, ambas em Trindade, distrito de Paraty. Deveria ser uma área de visitação restrita a um certo número de banhistas, e com monitoramento constante da qualidade da água e da areia, o que não ocorre. Por enquanto, a contagem de visitantes no território marítimo da Bocaina é informal, mas já se sabe que este número é muito maior do que o ideal para a preservação daquele ecossistema.
- Em apenas uma hora do domingo de Carnaval, 740 pessoas foram à piscina natural da Praia do Cachadaço, uma frequência totalmente inadequada para qualquer cenário ambiental - revela Francisco Livino, administrador do parque. - Pensamos em admitir apenas 80 pessoas por hora naquela região.
Em São José do Barreiro, único ponto a ter um controle formal de visitantes, a Bocaina recebe, em média, apenas 13 turistas por dia. Precisa aumentar. Estima-se que, no mesmo período, 550 banhistas procuram as praias de Trindade. Precisa diminuir.
O Instituto Semeia recomendou ao ICMBio a contratação de um consórcio que, na Serra da Bocaina, assumiria a comunicação entre as divisas da unidade, os projetos de arquitetura, a instalação de postos de fiscalização e o reforço da frota.
Para atender a todas as demandas, as empresas presentes no parque empregariam 90 pessoas. O ICMBio, por sua vez, precisaria ter pelo menos 30 funcionários lotados no parque - mais do dobro do efetivo atual. O Semeia acredita que estas medidas fariam a unidade de conservação ultrapassar, em menos de duas décadas, a marca de 1 milhão de frequentadores por ano - além de dobrar o PIB de São José do Barreiro, hoje de R$ 31,1 milhões.

O Globo, 18/07/2013, Ciência, p. 31

http://oglobo.globo.com/ciencia/burocracia-estradas-precarias-desmotivam-visitantes-subir-serra-da-bocaina-9079533
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