Tecnologia revela migração de peixe-boi na Amazônia

FSP, Ciência, p. A26 - 07/09/2008
Tecnologia revela migração de peixe-boi na Amazônia
Pesquisador do Inpe instalou antenas transmissoras na cauda dos animais
Objetivo é determinar qual é o tamanho da área de que o mamífero precisa para viver, o que deve orientar políticas de conservação

Afra Balazina de reportagem local

O peixe-boi-da-Amazônia, que pode chegar a 450 kg e 3 m de comprimento, consegue se esconder muito bem nas águas doces e turvas da região amazônica. Mas a tecnologia tem ajudado a revelar a intimidade desse acanhado mamífero, tido como vulnerável na lista de animais ameaçados de extinção.
Uma pesquisa de doutorado do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) acaba de mostrar que o peixe-boi-da-Amazônia faz uma migração anual, o que deve auxiliar na proteção da espécie.
O estudo aponta que o animal deixa os lagos de várzea de Mamirauá, na planície de inundação do rio Solimões, quando as águas começam a baixar. E se refugia durante o período de seca nas águas pretas e mais profundas do lago Amanã -nessa área, fica um pouco mais protegido de caçadores e de jacarés. Com a chegada da enchente, o bicho viaja de volta aos lagos de origem.
A pesquisa é importante porque, ao descobrir por onde os animais se deslocam e qual é o tamanho da área de que precisam para viver, é possível tomar medidas para sua preservação -como a criação de novas reservas. "É como calcular a área de vida de uma pessoa, onde ela mora, onde trabalha, onde come", compara o autor do trabalho, Eduardo Arraut.
Na região estudada já existem duas reservas de desenvolvimento sustentável, Mamirauá e Amanã. A preservação do peixe-boi contou como argumento para a criação delas.
Para estudar a migração, dez peixes-bois receberam cintos com radiotransmissores -colocados na cauda dos adultos. Os jovens não podem usar o cinto porque são apertados pelo equipamento ao crescer.
Cada cinto possui uma antena que emite um pulso em VHF. São usadas antenas ligadas a aparelhos receptores para captar o sinal -quando a antena receptora aponta para a direção em que o animal está, o sinal fica mais forte.
A tarefa de capturar os animais e colocar o cinto, entretanto, não foi simples. Arraut lembra que levou um mês para conseguir pegar um dos peixes-bois da pesquisa -mesmo com a ajuda de 25 pessoas da comunidade, que conhecem bem a espécie e a região.
O peixe-boi não é violento. Porém, é muito forte e, para tirá-lo ou colocá-lo de volta no rio, foi preciso o empenho de seis homens.
Miriam Marmontel, do IDSM (Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá), foi quem iniciou a observação da migração e teve papel fundamental no trabalho.
Segundo ela, esse tipo de estudo salienta a importância da manutenção de grandes áreas para preservação do peixe-boi, assim como a existência de uma variedade de ambientes, incluindo canais para deslocamento livres de ameaças.

Profundidade
Além de "seguir" os animais, também foram medidas as profundidades dos rios e lagos por onde os peixes-bois passaram. Uma sonda instalada num barco media e gravava as informações, e os dados eram colocados num sistema de informações geográficas. A partir disso, foram gerados modelos em três dimensões do ambiente aquático do peixe-boi. Isso ajudou a verificar que os animais migravam quando a água baixava.
Arraut diz que, como se sabe onde as populações humanas vivem na Amazônia, ao estudar o deslocamento do animal também é possível ter uma idéia de como as atividades dos homens têm influenciado a vida dos mamíferos. E, segundo ele, a situação da espécie parece ser pior do que se imaginava. "Além da redução populacional conseqüente da caça comercial histórica, soma-se agora o fato de os melhores habitats de água alta coincidirem espacialmente com as regiões mais populosas da Amazônia, onde a degradação ambiental é maior e a pressão da caça ilegal provavelmente mais intensa", afirma.
Marmontel pretende usar um sonar para contar quantos desses mamíferos ainda existem na região -o equipamento já foi testado por ela na Flórida.
A orientadora de doutorado de Arraut, Evlyn Novo, diz que o próximo passo é pesquisar o deslocamento dos peixes-bois em outras áreas, para comprovar o padrão de migração. E diz que está sendo desenvolvido um sensor para facilitar a "perseguição" do animal, que seria observado via satélite.


Filhote em recuperação será solto neste ano

Da reportagem local

Piti Aranapu, um filhote de peixe-boi-da-Amazônia resgatado com um ferimento provocado por arpão e diversas escoriações pelo corpo, no ano passado, está em recuperação e deve ser devolvido ao ambiente no final deste ano.
Ele foi encontrado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e, agora, está num recinto "seminatural" -uma piscina dentro do lago Amanã, na reserva de mesmo nome. Piti toma mamadeira (mistura de leite de soja e de vaca, óleo vegetal e complementação vitamínica) e também ingere plantas aquáticas.
O peixe-boi está num centro de reabilitação comunitário, que funciona com a participação de moradores da área. A idéia é que, ao conviver com o animal, ocorra a conscientização da necessidade de preservar a espécie -e a caça diminua. "Quando chegou, ele era brigão, derrubava os pesquisadores", conta Miriam Marmontel, do IDSM. O animal, antes de ser solto, receberá um cinto com radiotransmissor para ser acompanhado.
"No começo, ele mamava cinco vezes por dia e, agora, mama uma vez. Procuramos replicar o que acontece no ambiente natural", afirma.
Jone César Fernandes, ecólogo e diretor-executivo da Ampa (Associação Amigos do Peixe-Boi), diz que a entidade recebe filhotes o ano todo. "Alguns feridos por caçadores, outros por redes de pesca. Já recebemos animais com cortes profundos de facão na cabeça, com cauda e nadadeira cortada ou sofrendo de inanição", conta. Segundo ele, muitas vezes as mães foram caçadas e o animal acaba sendo resgatado por algum ribeirinho.
"Sabemos que atualmente a população do peixe-boi-da-Amazônia está muito abaixo da de décadas atrás, quando a exploração comercial da espécie foi mais intensa, principalmente entre a década de 1930 e a de 1950. Estima-se que nesta época tenham sido caçados cerca de 200 mil [animais]."

Proibição
A caça do peixe-boi foi proibida por lei federal em 1967, mas a captura persiste, em menor escala. "Além da caça, outros fatores que ameaçam a espécie são a destruição de seu habitat natural, o desmatamento da mata ciliar e a diminuição na disponibilidade de alimento", afirma. Hidrelétricas também atuam como barreiras e isolam populações. (AB)

FSP, 07/09/2008, Ciência, p. A26
Amazônia:Biodiversidade

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