Parque de graça sai caro

OESP, Vida, p. A14 - 05/01/2006
Parque de graça sai caro

Marcos Sá Correa

Do portão para fora, já se sabe que o Parque Nacional do Itatiaia tem novo chefe. Ele se chama Walter Behr, assumiu em setembro e, na véspera de completar quatro meses no cargo, foi ruidosamente saudado por guias de turismo, que organizaram na cancela um protesto contra a taxa de R$ 12 por cabeça, que passou a cobrar pelo uso de trilhas nas Agulhas Negras. O piquete atraiu as câmeras de uma emissora local. E, embalada na falta de assunto que acalentou a semana entre o Natal e o ano-novo, a mudança da administração debutou nos telejornais.
A cobrança, em si, não era bem uma surpresa. Constava havia cinco anos de uma portaria do Ibama, que ainda não tivera tempo para ir de Brasília à Serra da Mantiqueira. "Tudo o que fiz foi aplicá-la", diz Behr. Ele alega que não encontrou nos estatutos da função uma só cláusula que o dispensasse de cumprir a tal norma. E sabe que bateu de frente com um princípio irrevogável - aquele que confere a todo brasileiro empistolado o direito de usar de graça tudo o que é público. Nas agências turísticas, custa no mínimo R$ 75 por cabeça. Mas o ingresso básico, de R$ 3, saiu outro dia num jornal como "o único inconveniente de Itatiaia".
Deve ser mesmo, porque até a Renault, a multinacional que fabrica automóveis num município da vizinhança, telefonou uma vez para Behr, pedindo-lhe que abrisse os guichês aos convidados de uma convenção da empresa em hotel do parque. Não é tanto pelo dinheiro. Entrada franca em Itatiaia é o sinal de que o guarda da portaria sabe com quem está falando. Behr perdeu a conta das isenções que cassou desde setembro, inclusive para uma firma que tinha passe livre para as Agulhas Negras em nome dos serviços que presta para a Furnas Centrais Elétricas. Tudo porque Furnas, também de mão beijada, encarapitou lá em cima uma estação retransmissora tecnicamente obsoleta.
Behr se formou em Administração, mas largou o diploma na universidade para embarcar como marinheiro num navio de carga. Morou na Escandinávia quando o Partido Verde estava bicando a casca. E voltou ambientalista. Organizou nos anos 80 protestos contra a usina nuclear de Angra dos Reis. Viajou três anos pela América Latina, escrevendo um livro sobre parques nacionais em parceria com a fotógrafa Luciana Napchan. No começo desta década, entrando no Ibama por concurso, largou a pousada que tocava na Bocaina para implantar a Reserva Extrativista do Baixo Juruá nos confins da Amazônia.
Pegou a gerência de Itatiaia como se recebesse um prêmio. Mas aprendeu logo de cara que o primeiro parque nacional do Brasil, encaixado entre as maiores cidades do País, tinha problemas semelhantes aos da fronteira amazônica. Sua estréia nas Agulhas Negras foi uma aula de "absurdos". Passou na estrada por uma vaca morta, apodrecendo. Esbarrou por acaso num caminhão carregando toras de madeira nativa como se estivesse numa área de manejo florestal. E viu o que ninguém vira desde que o parque foi ampliado há mais de 23 anos: na parte alta, a portaria continuava onde sempre esteve. Ou seja, 13 quilômetros limite adentro.
Lá embaixo, na sede, os carros pareciam imprestáveis, inclusive duas picapes 4x4 incorporadas à frota oficial três anos atrás. Em compensação, a um quilômetro de seu gabinete, havia uma oficina tomada pelo mato. Foi só mandar capiná-la para descobrir, além de veículos sucateados, o equipamento capaz de consertá-los, inclusive peças de reposição e estoque de óleo lubrificante. Compressores de ar, elevadores hidráulicos, tornos, soldas de acetileno e outras ferramentas voltaram à vida com um simples reaperto. Três dias depois de encerrada a faxina, o motor de uma Toyota Hilux, que se aposentara prematuramente havia um ano e meio, estava roncando na sólida garagem da década de 30 que, restaurada sem reforma, mostrava com eram bem-feitos os prédios do governo na época em que o arquiteto Angelo Murgel quis dar aos parques brasileiros seu padrão definitivo. Agora, só falta resolver se essas coisas valem R$ 12.

Marcos Sá Correa Jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 05/01/2006, Vida, p. A14
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