Óleo ameaça Abrolhos

O Globo, Planeta Terra, p. 4-9 - 13/12/2011
Óleo ameaça Abrolhos
Queda de liminar que impedia a licitação de blocos de exploração preocupa governo e ambientalistas

Gilberto Scofield JR.
gils@oglobo.com.br

São Paulo

Quando, em dezembro de 2010, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região cassou a liminar obtida pelo Ministério Público Federal (MPF) da Bahia que impedia a licitação de blocos de exploração de petróleo e gás próximos ao Banco de Abrolhos, onde fica o Parque Nacional Marinho, no litoral Sul do estado, muita gente entendeu que a perfuração da região era apenas uma questão de tempo. Afinal, foi a própria Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) - a executora das políticas definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), presidida pelo Ministério das Minas e Energia - uma das partes a derrubar o limite para furar. Abrolhos abriga o maior recife de corais e área de maior biodiversidade do Atlântico Sul.
A causa parecia perdida e o assunto ganhou ainda mais relevância diante do episódio de vazamento de petróleo ocorrido em 7 de novembro numa área de exploração da Bacia de Campos, litoral Norte do Rio de Janeiro, sob os cuidados da petroleira Chevron. Mas o Ibama garante que a área está preservada e que a zona de proteção criada pelo órgão em 2006 e derrubada na Justiça no ano seguinte continua valendo nas discussões do CNPE. A zona de proteção foi sugerida após um estudo de impacto ambiental conduzido em 2005 pela ONG Conservação Internacional e protege uma área bem definida na região dos bancos de Abrolhos e de Royal Charlotte.
O mapa é grande e inclui o Banco de Abrolhos, uma área rasa com cerca de 46 mil quilômetros quadrados, e o vizinho Banco de Royal Charlotte. Somados, os dois bancos de corais têm 56 mil quilômetros quadrados. O Parque Marinho de Abrolhos ocupa cerca de 10% desta área, ou aproximadamente 6 mil quilômetros quadrados.
- Nos últimos anos, nas manifestações prévias às rodadas da ANP, o Ibama tem defendido esse limite da zona de amortecimento como sendo área não-apta à alocação de blocos petrolíferos, e a ANP tem concordado com esse entendimento. - diz Cristiano Vilardo Guimarães, coordenador geral de Petróleo e Gás do Ibama.
Em nota, o CNPE afirma que não incluirá nas futuras licitações da ANP - já a partir da 11ª Rodada, prevista para ano que vem - campos de petróleo e gás dentro do limite de proteção determinado pelo Ibama.
"O CNPE não pretende incluir nas rodadas de licitação campos que não respeitem as determinações do Ibama", disse o CNPE por meio de comunicado de sua assessoria.
"A ANP acata as sugestões de exclusões de áreas baseadas em restrições ambientais impostas pelos órgãos de meio ambiente competentes", fez coro a agência, também por meio de sua assessoria.


Para ambientalistas, normas que protegem o parque são frágeis

Os ambientalistas estão desconfiados e querem garantias legais. Eles alegam que a proteção atual ao parque - a obrigação da ANP de consultar o Ibama antes de colocar blocos em licitação, estabelecida por uma resolução do CNPE - é frágil. A portaria do Ibama que regulamentava a zona de proteção para Abrolhos, baixada em 2006, foi derrubada no ano seguinte na Justiça sob o argumento de que uma área de exclusão como esta deveria ser criada não por portaria do instituto, mas por um decreto presidencial.
- O governo entende que a área do Parque de Abrolhos é sensível do ponto de vista ambiental, mas hoje a proteção legal está limitada ao parque em si e a uma área de dez quilômetros em volta, fixada pela resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para todas as unidades de conservação. Em termos de oceano, é ridículo - diz Guilherme Dutra, diretor do Programa Marinho da Conservação Internacional (CI), líder de um grupo de 23 outras ONGs que trabalham na preservação da região e suas espécies, um esforço coletivo conhecido como SOS Abrolhos.
- Se o governo tem a determinação política de proteger a região, por que não regulamenta isso no papel? - pergunta Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de Oceanos do Greenpeace Brasil. - Não há uma política clara de preservação da região, os organismos empurram uns para os outros as decisões e a tentação de se explorar petróleo na Bacia do Espírito Santo, ao Sul do parque, por conta do óleo mais leve ali, é muito grande.
O próprio Cristiano Vilardo Guimarães concorda que há fragilidade no caso de Abrolhos:
- Temos defendido dentro do governo a implementação de soluções mais permanentes. Há um grupo dentro do governo chamado GTPEG, formado pelo Ibama, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio, administrador do Parque de Abrolhos) e o Ministério do Meio Ambiente, que vem defendendo desde 2009 a inserção do conceito de moratória nessa discussão dos blocos. E Abrolhos é o estudo de caso mais óbvio. É possível que até o final do ano saia uma nova normativa dos ministérios sobre essa questão da análise prévia das áreas. - diz ele.
Nos bastidores das reuniões do CNPE, percebe-se o racha dentro do governo quando o assunto é Abrolhos. De um lado, desenvolvimentistas e os interesses da indústria petroleira e de municípios de regiões produtoras. De outro, ambientalistas. Em 2007, numa dessas reuniões, o Ministério do Meio Ambiente, ainda sob o comando de Marina Silva, defendeu a não exploração de petróleo na região de Abrolhos, mas nada foi formalizado. A posição hoje é a mesma, mas a equipe da ministra Izabella Teixeira morre de medo de ser interpretada como uma espécie de "empata-desenvolvimento".
- Nós não definimos nada, a gente só sugere - diz um assessor do MMA.
Na prática, os ímpetos exploradores dos 13 consórcios que adquiriram campos na região (a maioria localizada na Bacia do Espírito Santo a uma distância de cerca de 150 quilômetros ao Sul do Parque) vêm sendo freados pelo Ibama com exigências de segurança variadas. Atualmente, uma comissão de técnicos do MMA e do ICMBio estuda a ampliação geográfica da área de proteção de Abrolhos, uma regulamentação que deixaria todos felizes. Mas este plano terá que passar pelo crivo da presidente Dilma Rousseff, uma ex-ministra das Minas e Energia cujos ímpetos desenvolvimentistas não costumam ser impedidos por conceitos de defesa do meio ambiente.
O Parque Marinho foi criado em 1983 para proteger o banco dos Abrolhos e de Royal Charlotte, uma área rasa de cerca de 32 mil quilômetros quadrados ao largo da costa Sul do estado da Bahia. É se vai muito além dos dois bancos principais. Considerada área de "extrema importância biológica" pelo próprio MMA em 2002, a região abriga espécies variadas de corais, crustáceos, moluscos em ambientes tão variados quanto recifes de corais, praias, manguezais e restingas onda ainda se vislumbram remanescentes de Mata Atlântica.
O local é ainda santuário de espécies marítimas em extinção, como as tartarugas gigantes e as baleias-jubarte. Toda a região vive intensamente da indústria pesqueira e, cada vez mais, da indústria do turismo, segundo os próprios governos da região. Em 2010, quatro mil turistas visitaram Abrolhos. (G.S.J.)


Estudos alertam para sensibilidade do ecossistema marinho

No centro dos debates sobre o futuro do Parque Marítimo de Abrolhos estão dois estudos realizados pela Conservação Internacional (CI) em 2003 e 2005 abordando a fragilidade do ecossistema da região e o impacto de um eventual vazamento em um campo de exploração de petróleo distante 100 quilômetros dele. Em 2002, a ANP anunciou o leilão de 243 blocos em áreas de recifes de corais, bancos de algas, bancos de gramíneas e manguezais na região de Abrolhos. A reação dos ambientalistas - no Brasil e no exterior - foi forte e o próprio governo foi forçado a reavaliar seus planos e retirar 163 blocos de licitação depois que o primeiro estudo da CI foi divulgado, com conclusões óbvias:
"A ocorrência de incidentes de derramamento de hidrocarbonetos na região poderia ocasionar impactos drásticos nos recifes de corais e manguezais, pois estes são os ambientes mais sensíveis aos derramamentos. As consequências socioeconômicas para as comunidades costeiras que dependem destes ambientes para a pesca e para o turismo poderiam ser igualmente drásticas".
Ainda assim, a ANP manteve o leilão dos 80 blocos restantes, suspenso mais tarde pela liminar obtida pelo Ministério Público Federal. Em 2005, a CI ampliou o estudo sobre os impactos de vazamentos na região. Foram simulados vazamentos de poços em campos próximos ao parque (com base na localização dos que seriam licitados pela ANP). Num cenário em que todos os vazamentos observaram três parâmetros - derrame de óleo durante 12 h, volume total derramado de 1.500 m3 e óleo de densidade média -, os resultados foram devastadores.
Levando em consideração a ação de correntes marítimas e ventos durante o verão e inverno nas costas da região, que é muito rasa, o estudo concluiu que, num cenário conservador, em um vazamento de óleo num campo situado a 100 quilômetros de distância dos recifes, a mancha de óleo atingiria a região em três dias. Pior do que a mancha de superfície é o vazamento do óleo bruto, que se condensa e viaja na correnteza atingindo diretamente recifes, vegetações marinhas e manguezais da região, extremamente sensíveis.
- O vazamento de Campos só não foi percebido na dimensão de desastre ambiental que ele de fato foi porque nem a mancha nem o petróleo vazado chegaram às praias do litoral do Rio - diz Leandra, do Greenpeace. - Um vazamento em Abrolhos destruiria os recifes.
Como resultado do estudo, a CI sugeriu a criação de um cinturão de segurança ao redor do parque, chamado "zona de amortecimento", de cerca de 95 mil quilômetros quadrados. A sugestão foi acatada pelo Ibama, que criou a proteção por portaria em 2006, derrubada no ano seguinte na Justiça. No fim do ano passado, o TRF da 1ª Região impôs nova derrota aos ambientalistas ao suspender a liminar que impedia exploração de petróleo na região. Na sentença, o desembargador Olindo Menezes disse que a decisão impugnada acarretava "grave lesão à ordem e à economia pública" e que a suspensão das atividades em Abrolhos e adjacências "atinge o planejamento estratégico do país em relação à nossa matriz energética, o que certamente coloca em risco a própria segurança nacional."
Neste meio tempo, o Ibama tratou de definir o que considera não negociável em Abrolhos, ou seja, uma área de 50 quilômetros em volta do banco. Mas a falta de regulamentação formal persiste.
- É preciso uma abordagem conservadora no caso de Abrolhos e a volta da zona de amortecimento, por decreto, seria uma boa solução para garantir de fato a proteção ao parque - diz o oceanógrafo Marcello Lourenço, chefe do Parque Marítimo de Abrolhos de 2006 a 2009. - Não é para fazer nada ali. (G.S.J.)


A riqueza natural e as ameaças ao parque nacional marinho

TESOURO TROPICAL: O Banco dos Abrolhos, uma área rasa com cerca de 32 mil quilômetros quadrados ao largo da costa Sul da Bahia, é a região com maior biodiversidade do Atlântico Sul. Ela é um santuário de espécies em extinção, como tartarugas e baleias.

PESCA E ECONOMIA: Abrolhos representa a região mais piscosa da Bahia, com capturas mensais por pescador chegando a 639,77 kg/mês, ou três vezes mais do que em outras partes do Nordeste brasileiro.
TURISMO: No ano passado, quatro mil pessoas visitaram o Parque Nacional Marinho de Abrolhos.

PROTEÇÃO: A única legislação a proteger o parque formalmente é a resolção Resolução CNPE n" 08/2003, que obriga a ANP a consultar o Ibama antes de colocar campos em licitação.

ZONA DE AMORTECIMENTO: A ONG Conservação Internacional sugeriu uma zona de amortecimento de 95 mil metros quadrados ao redor do parque. A distância mínima de proteção para Norte e Sul é de 100 quilômetros. Para Leste, em média a distância considerada segura para exploração de petróleo é 200 quilômetros. Este é o parâmetro atual.

SIMULAÇÃO: Um vazamento de 1.500 m3 de petróleo de densidade média, por 12 horas, a uma distância de 100 quilômetros do parque seria capaz de atingir os recifes em três dias levando-se em consideração a ação de correntes marítimas e ventos durante o verão e o inverno.

O Globo, 13/12/2011, Planeta Terra, p. 4-9
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