O mau exemplo de Iguaçu

OESP, Vida, p. A17 - 03/11/2005
O mau exemplo de Iguaçu

Marcos Sá Corrêa

Que remédio pode ter o Parque Nacional da Serra da Capivara, lá em seu canto do Piauí, se aqui mesmo no Sudeste o Parque Nacional do Iguaçu, depois de receber em outubro mais de 107 mil visitas pagas, espera há mais de dois meses pela saída dos 54 avá-guaranis, que o invadiram no dia 3 de setembro?
Deserdada pelo Ministério do Meio Ambiente, que não lhe manda dinheiro nem para os salários atrasados, a Serra da Capivara só se agüenta pela teimosia da arqueóloga Niède Guidon. Sertaneja por opção, ela é antes de tudo uma forte. Compra sozinha as brigas contra os invasores dos sítios arqueológicos que há 14 anos ela promoveu a Patrimônio Cultural da Humanidade. Quando zumbem à sua volta ameaças de morte, vai pessoalmente à casa dos valentões locais para blefar. Diz que, se algo lhe acontecer, seus amigos importarão pistoleiros das favelas cariocas para vingá-la. Falar do Rio de Janeiro, no Piauí, assusta.
Mais difícil é assustar Brasília. Faltam a Niède Guidon R$ 190 mil para cobrir a folha dos 214 funcionários de sua Fundação do Homem Americano, que cuida do parque por convênio com o Ibama. Ela acaba de demiti-los. Mas eles decidiram ficar onde estavam, à falta de outros empregos na região. Armou-se, portanto, na Serra da Capivara, uma dessas cenas que convence qualquer governo a ter pressa. Não o do presidente Lula. O Ministério do Meio Ambiente respondeu-lhe que a verba dos atrasados está para sair "até dezembro".
Dezembro também vai chegando devagar e sempre em Iguaçu, onde acabou no dia 28, sem que nada acontecesse, o prazo judicial para a Funai cumprir a sentença de reintegração de posse, devolvendo ao parque as terras tomadas pelos índios. Desde o começo se procura, com pachorra burocrática, um lugar para assentá-los. De preferência uma fazenda na vizinhança, para arrendar ou adquirir. Enquanto isso não acontece, os avás-guaranis vão ficando em Iguaçu, cada vez mais em casa.
Desde que se aboletaram lá dentro, já derrubaram pelo menos 600 árvores. Construíram cabanas. Rasgaram picadas. Botaram cães, galinhas e outros bichos domésticos em contato com a fauna nativa. Com o passar do tempo, os fiscais do Ibama vão perdendo a conta dos estragos. Antes, os índios toleravam suas vistorias semanais. Agora, deram para barrá-las.
Mesmo assim, fechados em copas como estão, eles não conseguiram preservar ao ar livre os argumentos que usaram na invasão. Não parecem mais tão saudosos da floresta, como alegavam, desde que um deles foi parar num hospital de São Miguel do Iguaçu, picado por cobra. Sinal, para Jorge Pegoraro, chefe do parque, que os avás-guaranis "não têm mais a cultura de sobreviver na selva". Remanchando, a Funai os expõe a riscos que eles desconhecem.
Mas ela não tem pressa. Esta semana, o juiz federal Rony Ferreira deve resolver se lhe dará, como ela pede, mais 60 dias para reassentar os avás-guaranis. Com o adiamento, a Funai e o Ibama podem fechar 2005 com a pendenga aberta. O que, além de ser um problema urgente para Iguaçu, é uma ameaça para todos os parques nacionais ocupados por índios. Se até ali vale tudo, não haveria de ser no resto do País que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação corre o risco de pegar. Porque, ao contrário dos outros, Iguaçu tem motivos de sobra para dar certo.
Está a um passo de marcar, este mês, um recorde histórico, com 1 milhão de visitantes em menos de um ano. Sustenta, com esse movimento, uma das maiores redes hoteleiras do País. Neste feriado, manteve 70% dos hotéis ocupados. Terceirizada há seis anos, a exploração do turismo no parque ganhou autonomia para cobrar ingressos de até US$ 12 para estrangeiros. Ao contrário da Serra da Capivara, por exemplo, Iguaçu é um grande negócio. Mas nem por isso se livrou da bagunça brasileira.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 03/11/2005, Vida, p. A17
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