Na trilha das pedras

Isto E, Ciencia, Tecnologia & Meio Ambiente, p.74-75 - 14/01/2004


Na trilha das pedras Livro conta a história e exibe a intimidade dos animais e das plantas de Itatiaia, o primeiro parque nacional
Celina Côrtes
 O Parque Nacional de Itatiaia, o primeiro parque do País, criado em 1937, sempre chamou a atenção de pesquisadores e amantes da natureza. Muito já se especulou sobre sua paisagem rochosa, e alguns geógrafos, como o francês Emmanuel Martonne (1873-1955), pregam que a sua origem geológica estaria ligada às glaciações ocorridas há um milhão de anos. Considerada uma das paisagens mais raras do mundo, o parque abriga o Pico das Agulhas Negras, com seus 2.787 metros de altura, que durante muitos anos foi considerado o ponto mais alto do País, título perdido para o Pico da Neblina, em Roraima, com 3.014 metros. Essas e outras histórias estão no livro Itatiaia, o caminho das pedras (Ed. Metalivros, 240 págs., R$ 80), que o jornalista carioca Marcos Sá Corrêa levou cinco anos para preparar.
Autor do texto e das fotos, Sá Corrêa frequenta o Parque Nacional de Itatiaia desde os 12 anos de idade. Nos últimos quatro anos, ele coletou informações e tirou mais de 600 fotografias, selecionando as 200 belas imagens que ilustram seu livro. Onde havia uma trilha eu meti meu pé”, diz o jornalista, que começou estagiando como fotógrafo no Jornal do Brasil, redação que passaria a comandar nos anos 90. O livro é um deleite de imagens. A seleção inclui insetos como joaninhas, louva-a-deus, borboletas, percevejos e cigarras, além de uma série de fungos, plantas, macacos e cobras. Destaque para o pequeno Brachycephalus ephippium, sapo que só existe na região do parque. O batráquio, conhecido como pingo de ouro” ou sapinho dourado”, tem o tamanho de um polegar e a cor que varia entre o amarelo-gema-de-ovo e o abóbora quase luminescente. Atribuo a ele minha nova maneira de fotografar. Quando comecei a me aproximar, descobri que, se eu desse um tempo para o bichinho, acabaria conseguindo melhores momentos”, lembra Sá Corrêa, que trocou as horas de sono e descanso após o almoço por manhãs e tardes intermináveis na labuta de retratista. Levou na bagagem duas velhas companheiras, uma câmera Hasselblad 501C, o modelo clássico da marca sueca, e uma modesta máquina analógica Canon A2e, à qual acoplou lentes de aproximação para capturar closes e detalhes dos animais e das flores.
Embora a fauna da região seja riquíssima – já foram reconhecidas dez mil espécies de insetos e 366 de pássaros – o grande charme do parque são sua geologia e vegetação. A Mata Atlântica, que não pára de encolher, achou ali o caminho da recomposição. Isso sem falar nos rios cristalinos, nas cachoeiras e nas 160 vias de escalada em rocha dura, paraíso dos alpinistas. Com acesso pela rodovia Presidente Dutra (BR-116), no meio do caminho entre o Rio de Janeiro e São Paulo, Itatiaia sempre foi território cobiçado. O Parque Nacional começou a ser criado em 1908, quando o governo brasileiro comprou os 48 mil hectares do comendador Henrique Irineu Evangelista de Souza, filho do Visconde de Mauá, primeiro industrial da corte de dom Pedro II, e dono de uma das maiores fortunas no mundo na segunda metade do século XIX. Parte do território foi vendida a imigrantes europeus – o parque nasceu loteado e até hoje o governo colhe as complicações fundiárias que semeou. O Serviço de Patrimônio do Ministério da Agricultura criou uma reserva florestal em menos de 12 mil hectares, área que foi promovida a parque nacional em 1937, por Getúlio Vargas. Um decreto federal de 1982 ampliou para 30 mil hectares a área, que recebe 70 mil visitantes por ano.
 
O livro relata também casos de personagens ilustres, como o pintor Alberto da Veiga Guignard, que entre 1940 e 1942 se hospedou no então famoso hotel Donati e pagou a conta com dezenas de quadros e pinturas em portas, janelas, cofres, vidros e até em cardápios. Em seus óleos e estudos, o parque ficou gravado tal como era há 60 anos”, diz o autor. A própria história do hotel é curiosa. Ele foi batizado em homenagem a Robert Donati, um pianista alemão que chegou ao Brasil no fim dos anos 1920, apaixonou-se pela região, comprou terras e lá montou uma pousada. Era comum ele receber seus hóspedes sentado ao piano. Embora enquanto jornalista ostente furos de reportagem entre os quais a denúncia de como os Estados Unidos manipularam o golpe militar de 1964, publicada em 1977, Sá Côrrea não esconde sua preferência pela natureza. Acho o besouro muito mais interessante do que a política”, confessa.

 
Isto É, 14/01/2004, p. 74-75

Produção Cultural:Literatura

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