Lula lança o Bolsa-Caranguejo

OESP, Vida, p. A23 - 10/06/2009
Lula lança o Bolsa-Caranguejo

Marcos Sá Corrêa*

Ponha-se no colete de Carlos Minc. Titular do Meio Ambiente num governo que não é ambiente para essas coisas. Cercado de ministros hostis. O da Agricultura em campanha pela desobediência ao Código Florestal. O dos Transportes querendo asfaltar estrada na Amazônia sem licença ambiental. O de Assuntos Estratégicos afirmando, em inglês, que, se a humanidade acabar com este planeta, estará tecnologicamente habilitada a colonizar outros. E aí vem na sexta-feira o Dia do Meio Ambiente. Comemorado com a criação de três reservas extrativistas e de um monumento natural, como se fosse para marcar a era de recuos táticos que acabou com a tinta na caneta do ministro para fazer parques nacionais e outros modelos de conservação.

Mas era uma boa data para sair da frigideira e subir no palanque. E Minc montou uma festa no sul da Bahia, com a presença do presidente. Jornalistas interessados em esquentar o dendê do ministro apostaram que Lula não compareceria. Ele fez pior. Compareceu e soltou o verbo. Foi lá dizer que "é preciso discutir com mais seriedade a questão ambiental" e acabar com o "discurso simplista" em favor da natureza. O dele foi complexo. Teve de tudo. Desde a previsão de que o regime da terra arrasada pode inviabilizar a vida humana "daqui a 1 milhão de anos, daqui a 100 anos" ao anúncio de que o pau-brasil "está extinto", sem que botânicos notassem. Atirou a noção de que os países ricos, habitados por aqueles banqueiros de olhos azuis que outro dia quebraram a economia mundial, estão "carecas". Ou seja, "não têm mais uma árvore". Mas nem por isso deixam de circular em "carros da melhor qualidade" e comer "do bom e do melhor". Desertificar deve ser bom. Lula voltou inspirado da Arábia Saudita. Mas aqui o problema é outro. Pode ser um presidente que, no afã de "consertar todo o estrago que foi feito em cinco séculos", inaugura uma reserva extrativista, a Resex do Cassurubá, com a exortação do progresso insustentável.

Resex é um conceito meio frouxo, que encontrou na política ambiental o aconchego da autocomplacência. A Amazônia tem muita resex em listas de desmatamento. Segundo o historiador Kenneth Maxwell, o nome "reserva extrativista" é um oxímoro, composto por um substantivo que serve para guardar e outro que serve para colher. Mas pelo menos a lei restringe seu uso à agricultura de subsistência, à criação de animais em pequena escala e à exploração sustentável de seus recursos naturais.

Mas Lula, com a autoridade de quem, "até os 10 anos de idade", punha a mão em toca para catar caranguejo, acenou aos pescadores de Cassurubá com melhores negócios. É só esperar pelos turistas saírem de Caravelas dizendo que ali comeu "um peixe de qualidade, não poluído, um caranguejo de qualidade, um marisco de qualidade". E o governador Jacques Wagner "vai comprar tudo para levar para a merenda escolar lá em Salvador". Ou seja, Lula foi saudar a resex e instituiu o Bolsa-Caranguejo. Assim não há Minc que aguente.

* É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 10/06/2009, Vida, p. A23
Política Socioambiental

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Cassurubá
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.