Incêndios colocam em risco águas no sertão

O Globo - http://oglobo.globo.com/ - 09/04/2016
Mudanças climáticas e mau uso do solo ameaçam nascentes da Chapada Diamantina


Mudanças climáticas e mau uso do solo ameaçam nascentes da Chapada Diamantina
Tempos de mudança desequilibram o quinhão do Brasil onde o mandacaru cresce à beira dos cafezais e cachoeiras fazem oásis na Caatinga. Os sinais de fumaça chegaram com força no fim de 2015 com um dos piores incêndios da História na Chapada Diamantina. Alimentado por um El Niño recorde, o fogo avançou por 2016 e só foi extinto no fim de janeiro. A Chapada é conhecida como a Caixa D'Água da Bahia. Lá nascem 80% dos rios do estado, entre eles, o Paraguaçu. Este abastece três milhões de pessoas, fornece 60% da água de Salvador. Toda essa água corre risco e escasseia, à medida que se concretizam previsões sobre o impacto das mudanças climáticas na região. Para salvar as nascentes, pesquisadores e ambientalistas realizam um trabalho inédito de restauração de matas. Tentam semear água no sertão.

Seco até no nome, o Semiárido está entre as regiões mais vulneráveis do Brasil a mudanças no clima, segundo estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O que já é naturalmente seco fica mais árido à medida que a temperatura global aumenta. Mas na Chapada Diamantina pesquisadores observam um cenário dramático, com a destruição de ecossistemas que promovem a abundância de água em pleno sertão. São sinais do Antropoceno, a era em que o homem se tornou uma força transformadora da natureza

CAFÉ GOURMET E BIODIVERSIDADE

O relevo de serras e planaltos criou um microclima único, capaz de congregar Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Juntos e misturados. O resultado é uma esponja natural de tamanho colossal, de 38 mil quilômetros quadrados, numa altitude média de 800 a mil metros acima do nível do mar. Tanta água sustenta uma área estratégica para a biodiversidade. E irriga um agropolo de onde sai o café de Piatã, entre os melhores do Brasil. Sem a água dos rios que nascem na Chapada, porém, natureza e economia perecerão.

O geógrafo Rogério Mucugê Miranda, coordenador de projetos da Conservação Internacional (CI-Brasil), explica que a maior ameaça é a intensificação do fogo. Apagá-lo muitas vezes é impossível. Ele chega aonde o homem não alcança, fendas e escarpas íngremes inacessíveis a bombeiros e voluntários, como os da Brigada Bicho do Mato, que participa de ações de combate de focos e replantio.

- O fogo sempre fez parte da vida na Chapada Diamantina. É importante para algumas espécies do Cerrado. O problema é que a intensificação e prolongamento do período seco tornam o fogo incontrolável. Ele destrói a vegetação que protege as nascentes. E, com isso, elas secam - explica Mucugê, que tem a chapada até no nome, pois é xará do município no coração do Parque Nacional da Chapada Diamantina.

Mucugê coordena o projeto da CI Semeando Águas no Paraguaçu, que já recuperou cerca de 70 hectares de matas protetoras de nascentes, outros nove hectares se perderam nos últimos incêndios.

- As nascentes das áreas queimadas ficam desprotegidas, sem condições de manter umidade, e sob risco de compactação do solo e assoreamento. Isso afeta o volume e a qualidade da água - afirma.

Nos últimos incêndios, de outubro de 2015 a janeiro deste ano, uma área equivalente a um quarto de todo o município do Rio de Janeiro foi queimada. Parte dela ainda não se recuperou, inclusive uma junto ao Rio Mucugezinho, em Lençóis, famosa por suas muitas quedas d'água e piscinas naturais douradas. Há numerosas causas de incêndio na Chapada. Podem ser naturais, como raios. Mas a maioria é causada pelo homem, seja pela prática de queimadas, para limpar pasto e plantações; ou acidentais, como uso indevido de fogareiros. Algumas são criminosas.

O biólogo Dary Rigueira, também do Semeando Águas no Paraguaçu, observa que é difícil mensurar o impacto de mudanças no clima sobre a Chapada porque faltam séries históricas de temperatura e precipitação. Sinais de mudanças, todavia, sobram. Há relatos de alterações da dinâmica de períodos de chuva e estiagem. Os períodos de chuva têm se tornado curtos e intensos, com precipitação forte concentrada em poucas semanas. Já os períodos secos e quentes estão mais amplos e severos.

O pesquisador destaca ainda o agravamento da destruição da já ameaçada Mata Atlântica. A vegetação deste bioma tem dado lugar a espécies do Cerrado e da Caatinga, mais adaptadas ao clima quente e seco. Esse tipo de alteração tem impacto direto nas nascentes. Estas são protegidas pelas matas de galeria, compostas por vegetação preponderantemente de Mata Atlântica, que retém a umidade e possibilita que o fluxo d'água seja mantido e transforme nascentes em córregos e estes em rios.

PARAGUAÇU MENINO

Nenhuma das nascentes diamantinas preocupa tanto quanto a do Paraguaçu. O rio que deságua na Baía de Todos os Santos com dimensões que lhe renderam o nome de mar grande, tradução de Paraguaçu em tupi, nasce a 614 quilômetros de distância dali. Em seu berço na localidade de Farinha Mole, no município diamantino de Barra da Estiva, ele nada mais é do que uma poça escondida em meio ao que já foi um pasto. É cercada pela floresta de galeria atlântica, dentro de uma propriedade particular. Os galhos das árvores que protegem o Paraguaçu menino se entrelaçam com as das espécies de Cerrado e Caatinga que cobrem quase todo o planalto.

- Ele nasce assim, uma pocinha. Mas leva pelo caminho toda a água da imensidão de nascentes diamantinas. É frágil demais e a maioria das pessoas nem imagina - destaca Mucugê.

O fogo destrói em minutos o que a natureza leva décadas para regenerar. Com a ajuda humana, como o trabalho dos sementeiros e plantadores de mudas que trabalham na recuperação das matas protetoras de nascentes, o prazo pode ser abreviado, mas não muito.

- São necessários pelo menos três anos para que as mudas se estabeleçam. Não há uma mata antes de 15 a 20 anos.

Erlei Santos Aguiar, da Bicho do Mato, celebra as primeiras vitórias. Há um ano, a mata à volta do berço do Paraguaçu foi calcinada. Há nove meses plantaram mudas pioneiras, no mesmo dia em que seu filho Joaquim nasceu:

- Agora já vemos os primeiros resultados. Mas sei que é uma missão para toda a vida, assim como o Joaquim.


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