Governo cria corredor para salvar caatinga

FSP, Ciência, p. A23 - 12/03/2005
Governo cria corredor para salvar caatinga
Área une dois parques nacionais no sertão do Piauí onde ocupação ameaça ecossistema e patrimônio arqueológico

Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assinou ontem uma portaria estabelecendo a criação de um corredor ecológico entre dois parques nacionais no sertão do Piauí que deve proteger um duplo tesouro: o ecossistema da caatinga numa das regiões mais bonitas do Brasil e um patrimônio arqueológico único, ameaçado por posseiros e caçadores.
O corredor terá 412 mil hectares (quase a área do Distrito Federal) e ligará os parques da Serra da Capivara e da Serra das Confusões. Sua implementação estava planejada para o ano passado.
Ele sai do papel agora, num momento em que a diretora do Parque Nacional da Serra da Capivara, a arqueóloga Niède Guidon, se encontra em pé de guerra com trabalhadores rurais sem-terra que, segundo ela, vêm desmatando a área do corredor e destruindo sítios com pinturas rupestres, muitos deles ainda desconhecidos pelos arqueólogos.
"Criaram o corredor, mas o desmatamento é enorme. Muitos sítios já foram destruídos. Quero ver se o ministério vai ter dinheiro para reflorestar [a área]", disse à Folha Guidon, 72. "Porque o Ibama não tem um tostão."
Guidon preside a Fundação Museu do Homem Americano, sediada no município de São Raimundo Nonato, que administra o parque nacional juntamente com o Ibama (Instituto Brasileiro Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Ela foi a principal responsável pela criação da reserva, em 1979.
A Serra da Capivara é uma das zonas arqueológicas mais ricas das Américas. Em seus paredões e abrigos de arenito estão pinturas rupestres, artefatos humanos e esqueletos datados de pelo menos 12 mil anos a 3.500 anos atrás. O parque, que tem 360 sítios documentados, foi tombado pela Unesco em 1991.
A região também é a maior área de caatinga protegida do país, abrigando espécies de mamífero como onças, veados e tamanduás-bandeira. A caatinga tem mais de 3.000 espécies de planta, muitas delas endêmicas (ou seja, não ocorrem outros lugares).
Na área do corredor, segundo Guidon, existem cerca de 30 sítios arqueológicos documentados. "A invasão nos pegou antes que pudéssemos fazer a prospecção."
Caçadores
A invasão à qual a pesquisadora se refere vem principalmente de famílias de trabalhadores rurais e de caçadores, que usam a fauna local para abastecer o mercado negro de carne de caça em São Raimundo Nonato e cidades vizinhas. Quando descobrem um paredão com pinturas, os invasores tratam de queimar pneus para cobrir o sítio -e escapar da fiscalização- ou, para poder reclamar o direito a um lote numa zona com patrimônio arqueológico, simplesmente destroem os desenhos pré-históricos.
"Arrebentaram pinturas com marretadas. É de cortar o coração", diz Guidon.
Outra potencial ameaça à caatinga na região são plantações de mamona, destinadas a fornecer combustível para o Programa Nacional de Biodiesel, que cercam a zona do corredor.
Na área do corredor existem hoje, oficialmente, cerca de mil famílias assentadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Segundo Maurício Mercadante, diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, o assentamento entre os dois parques nacionais no Piauí terá um plano de manejo pioneiro, com recursos do Programa Nacional de Florestas, no qual os assentados serão estimulados a explorar produtos florestais não-madeireiros.
Mercadante afirma que o ministério destinará R$ 150 mil para novos estudos ambientais na área, que poderão incluir a criação de uma nova unidade de conservação no território do corredor. Ele disse não haver recursos destinados especificamente ao reflorestamento, como pede Guidon, mas afirmou que o dinheiro destinado à implementação do corredor poderá ser usado para esse fim. "Se houver necessidade de recuperar, vamos fazê-lo."
Outra providência que será tomada juntamente com o Incra, segundo Mercadante, é a criação de zonas-tampão nos assentamentos. O Incra teria se comprometido a deixar as áreas de reserva legal (os 20% que não podem ser desmatados) nos lotes dos assentados voltadas para o parque, criando um "cinturão" sem contato com a área protegida.


FSP, 12/03/2005, p. A23
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