Em foco, os bons projetos

O Globo, Razão Social, p. 8-9 - 17/07/2012
Em foco, os bons projetos

Amelia Gonzales
amelia@oglobo.com.br

Anoitece e Catarina começa seu ritual diário antes de ir à escola. Na beira do rio ela se lava, mesmo com roupa. Com um balde e muita perícia, joga água da cabeça aos pés e consegue umedecer até mesmo os longos e grossos cabelos que depois são penteados pela filha numa bela trança. Naquele dia, mãe e filha não estavam só, como costuma acontecer. As câmeras da equipe que filmava o documentário "Amazônia Eterna" acompanhavam passo a passo daquele lento processo de cuidado com o corpo.
O rio é o Amazonas, Catarina é uma ribeirinha e mora numa casa erguida sobre palafitas. O curso que frequenta é o Ensino Médio Presencial com Mediação Tecnológica, uma solução que o Governo do Estado do Amazonas encontrou para tentar levar conhecimento teórico formal para pessoas que, como Catarina e a filha, vivem em lugares distantes, de difícil acesso.
A época é de cheia, portanto o peixe é farto; as verduras e legumes, não. Mas Catarina não se incomoda com isso, faz parte de sua rotina. E é justamente esse olhar humano sobre a maior região de floresta contínua do planeta, representando 60% do território brasileiro, que as câmeras do diretor Belisário Franca fazem questão de captar:
- Foi o nosso primeiro dia de filmagem, em junho de 2011. Eu já conhecia a locação por foto e, quando chegamos lá, Catarina estava tranquila.
O lugar estava alagado porque alaga mesmo, de seis em seis meses, faz parte da mecânica. Catarina está adaptada, mas não acomodada. Ela faz parte de uma legião de pessoas que estão na Amazônia trabalhando, com suas dificuldades, seus êxitos. Mas o filme mostra também que está tudo no limite, a guerra não está ganha para nenhum dos lados. Essa turma que está trabalhando lá é importante que seja conhecida. A tentação de cair nos clichês é grande: a prostituição, o garimpo, a destruição ambiental. Mas optamos por fugir deles - disse Franca.
A ideia foi preparar o documentário para ser mostrado na grande vitrine mundial que aconteceu no Rio de Janeiro no mês passado, a Rio+20. E deu certo. Ainda em formato digital, "Amazônia Eterna" (pensado em parceria com Mauricio Magalhães, da Agência Tudo) foi exibido para uma plateia que lotou o Cine Odeon durante o festival Good Planet. Agora, no entanto, com o formato 35mm já viabilizado, o filme será inscrito em festivais de cinema nacionais e internacionais no segundo semestre para, no ano que vem, ser mostrado em circuito comercial:
- Mas vamos procurar uma forma heterodoxa, com ingressos gratuitos para universidades, escolas. Ele não vai brigar só por bilheteria comprada, ele tem que ser difundido - disse Franca.
Há imagens belíssimas, como não poderia deixar de ser.
Mas "Amazônia Eterna" se diferencia na hora de mostrar as belezas da floresta que detém 20% da água doce do mundo porque faz isto de perto, às vezes de muito perto, quando acompanha, por exemplo, debaixo dágua, o caminho tortuoso das índias que colhem sementes para espalhar no território já degradado da reserva de Xingu.
Trata-se do Projeto Xingu/Campanha Y Ikatu Xingu, que faz a recuperação da Mata Ciliar e rede de coleta com os índios Ikpeng, no Mato Grosso. É um dos nove programas mostrados no documentário, que também tem esta diferença: aqui o espectador conhece os projetos que dão certo, em vez de ouvir somente relatos dramáticos da região. E fica sabendo que ainda é possível fazer alguma coisa pela Amazônia.
- É importante dizer também que não temos um olhar ingênuo. Mostramos as pessoas que trabalham, mas também há especialistas como a doutora em Geografia e professora emérita da UFRJ, Bertha Becker, ou José Aroudo Mota, do Ipea, que deixam claro a importância de se fazer projetos para deixar a floresta em pé, senão a situação, que já está ruim, vai piorar. Aroudo Mota mostra que a floresta pode virar savana se não conseguirmos deter o aquecimento global - disse Franca.
A ideia central do diretor foi fazer um filme sensorial, trazendo o espectador para se conectar emocionalmente com a causa. Ele aproveita para criticar os documentários nacionais que acabam por causar uma postura defensiva na plateia.
A relação com a água permeia todo o documentário.
Quer seja pela conexão entre os rios, quer seja pelo viés econômico, já que muitos ribeirinhos dependem da pesca para sobreviverem.
Mas a pesca mostrada no documentário é a pesca consciente, com manejo sustentável, conseguida com a ajuda do Programa de Manejo do Pirarucu do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em Amanã, no Amazonas. Na fala de um dos pescadores, fica transparente a mudança de postura depois da informação fornecida pelos técnicos do programa. Se antes qualquer peixe entrava na rede, hoje ninguém ali pesca espécie com mais de um metro e meio:
- Na boiada do peixe a gente consegue identificar se é grande ou pequeno .
Com manejo o cara pesca liberto: o Ibama passa e fica junto, não multa nem prende - diz um dos pescadores que dá seu depoimento no documentário.
Conhecimento tradicional com o científico, lado a lado, na luta pela preservação de uma área com mais de cinco milhões de quilômetros quadrados e uma infinidade ainda incontável de espécies e animais. Para rodar o documentário foram usados 450 kg de equipamentos, incluindo três câmeras - uma subaquática - equipamentos de iluminação, maquinária e captação de som, acessórios para escalada, barracas, redes, cobertores e uma diversidade de itens complementares.
A trilha sonora foi criada especialmente para o filme pelo israelense Armand Amar, que já ganhou diversos prêmios em sua carreira, inclusive com a trilha de "Home - Nosso Planeta, Nossa Casa", de Yann Arthus-Bertrand.

O Globo, 17/07/2012, Razão Social, p. 8-9
Produção Cultural:Cinema, TV, Vídeo

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