Ambiente de aves raras

O Globo, Amanhã, p. 10-13 - 21/05/2013
Ambiente de aves raras
Socó-boi-escuro e pato-mergulhão, ameaçados de extinção, dependem de rios limpos e de matas nativas preservadas

CLÁUDIO MOTTA
claudio.motta@oglobo.com.br

O pombo é um exemplo clássico de como algumas aves conseguem se adaptar às condições mais adversas. Espalhado pelo homem por todo o mundo, vive muito bem até mesmo em áreas completamente urbanizadas. Mas há espécies exigentes em relação ao habitat. Isto acontece tanto com o socó-boi-escuro (Tigrisoma fasciatum) quanto com o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), ambos ameaçados de extinção. Dois fatos novos, porém, aumentaram as esperanças de Ambientalistas. Um fotógrafo amador registrou pela primeira vez este socó em Angra dos Reis. E, em Minas Gerais, pesquisadores atuam na Serra da Canastra, onde esperam garantir as condições para um aumento significativo da população do pato.
Hoje, a situação do pato-mergulhão é crítica. Restam apenas 250. Quase a metade está dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra e em seu entorno. De acordo com estimativas da bióloga Lívia Lins, coordenadora do projeto Pato Aqui, Água Acolá, são 60 casais, que buscam refúgio nas águas ainda limpas daquela área. Justamente por isso, este foi o alvo de pesquisadores, que espalharam 30 caixas-ninho ao longo do Rio São Francisco, em São Roque de Minas. Neste ninho artificial, os patos terão as condições ideais para criar seus filhotes.
- Este é um teste. Finalmente conseguimos as condições ideais para instalar caixas-ninho. Se tivermos sucesso, repetiremos a iniciativa em outros rios - explica Lívia. - Se uma caixa for ocupada, já será considerado ótimo para o trabalho. Os especialistas não sabem exatamente quais são os fatores de escolha do pato. Por isso, espalharam os ninhos em situações diferentes: em pontos mais altos, outros mais baixos; perto de corredeiras, próximo a um trecho mais calmo do rio. Isto não significa, porém, que os locais foram aleatórios. Desde 2001 o Instituto Terra Brasilis trabalha com a preservação da ave, observando inclusive seu comportamento reprodutivo. Atualmente, a iniciativa conta com o patrocínio da Petrobras e do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade.
Aumentar o conhecimento científico sobre o pato-mergulhão, portanto, faz parte da estratégia de conservação. Só existiam evidências da ave em seis trechos de rios. Agora, já foram registrados cerca de 60 territórios na Serra da Canastra. Outros pontos importantes de ocorrência ficam no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e no Parque Estadual do Jalapão, em Tocantis, além de Paraguai e Argentina.

O segundo passo do programa ambiental é acompanhar a rotina do pato-mergulhão. Pesquisadores capturaram algumas aves, que, depois de receberam anilhas de identificação e radiotransmissores para monitoramento, foram soltas. Graças ao trabalho, foi possível encontrar casais que não apenas utilizam o mesmo trecho de rio, como também reaproveitam seus ninhos.
Outra descoberta considerada importante pelos especialistas ocorreu em 2002, quando um ninho foi encontrado num oco de árvore. Só havia outro relato como este, de 1951, na Argentina. Pouco depois, os pesquisadores também acharam ninhos em fendas de rochas, aumentando o leque de possibilidades dos pontos de reprodução. Além dos componentes científicos, é fundamental manter aberto o diálogo com a população da região. Todos precisam estar envolvidos no trabalho de preservação dos recursos hídricos da Serra da Canastra. Afinal, o pato não mergulha em águas sujas.
- O projeto trabalha com três objetivos principais: pesquisa e conhecimento, já que temos poucos registros desta espécie; educação ambiental da comunidade e dos produtores rurais do entorno da Serra da Canastra; e recuperação de áreas degradadas, preservação de matas e proteção das nascentes - enumera Sônia Rigueira, presidente do Instituto Terra Brasilis.

Indicador ambiental

Os pesquisadores do projeto procuram ressaltar as vantagens da preservação ambiental para os moradores da Serra da Canastra. Por exemplo, o pato-mergulhão tem potencial para atrair turistas e fotógrafos amadores, além dos próprios Ambientalistas, gerando receita para a cidade. Além disso, a ave é um indicador de qualidade ambiental, uma vez que ela não vive em locais poluídos. Ou seja, enquanto estiver na região, os produtores rurais poderão ter a certeza da boa qualidade da água.

O socó-boi-escuro também é considerado por especialistas um indicador de qualidade ambiental. Sua descoberta em Angra dos Reis aconteceu por acaso.
O hobby do dentista Carlos Eduardo Blanco, há 20 anos, é fotografar aves. Na última década, ele passou a frequentar trilhas do Parque Mambucaba, distante 60 km do Centro de Angra e 40 km de Paraty, onde costuma registrar belos pássaros. No dia 5 de março, deu a sorte de estar na hora e local certos: flagrou o socó-boi-escuro.
A certeza de que esta era uma foto especial veio rapidamente, com a ajuda da internet. O dentista faz parte do grupo de colaboradores do site Wikiaves - que oferece imagens, informações, como os locais de ocorrência de cada espécie, e até mesmo o som que as aves emitem. O site costuma ser visitado por muitos especialistas. Quando viram o flagrante de Blanco, eles revelaram sua importância histórica e ambiental: este foi o segundo registro da espécie no estado do Rio, sendo o primeiro em Angra dos Reis.
- Entro numa trilha e vou fotografando. Com as imagens, cataloguei no site mais de 350 espécies, das quais 130 fazem parte do primeiro registro em Angra. Destas, o socóboi- escuro é o mais importante - diz Blanco.
O ornitólogo Fernando Pacheco, membro do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos, fez parte da pesquisa acadêmica publicada em 1997 que identificou a localização exata do primeiro socó-boi-escuro descrito pela ciência. O estudo pioneiro, de 1825, não forneceu exatamente a localização geográfica do local da descoberta da espécie. A partir do texto original, Pacheco conseguiu determinar que a ocorrência fora em Campos, próximo ao atual Parque Estadual do Desengano.
- O primeiro registro do socó-boi-escuro foi no estado do Rio. Até a foto de Blanco, este era o único registro fluminense da ave - comemora Pacheco. - A foto é surpreendente. Esta espécie já era dada como extinta no Rio. É uma importante redescoberta.

O Globo, 21/05/2013, Amanhã, p. 10-13
Biodiversidade:Fauna

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