Mineradoras de olho na Canastra

OESP, Vida, p.A24 - 15/12/2005
Mineradoras de olho na Canastra
Tamanho do parque em Minas onde nasce o Rio São Francisco está sendo reavaliado
Cristina Amorim
Dois grupos discutem atualmente qual é o tamanho real do Parque Nacional da Serra da Canastra (MG). O debate é seguido de perto por ambientalistas, moradores e mineradores.
O Ibama defende que a área é de 200 mil hectares, como diz a legislação - apesar de só 71 mil hectares terem sido demarcados desde sua criação, em 1972 -, e quer implantar um novo plano de manejo que não permite qualquer atividade econômica dentro de seus limites teóricos.
Do outro lado da mesa, agropecuários e mineradores que atuam nos 129 mil hectares restantes dizem que, se no papel a área deveria ter sido protegida, na prática é tarde demais.
O parque protege nascentes das Bacia do São Francisco e do Paraguai, além de animais ameaçados de extinção, como o lobo-guará e o pato-mergulhão. Mas também guarda reservas de diamante e quartzito. Dentro do plano de retomada da área, o Ibama conduziu três ações - a última ainda em curso - para fechar minas no seu interior e entorno. "A mineração provoca alterações irreversíveis no solo. Ela não pode ser continuada", diz Valmir Ortega, diretor de Ecossistemas do Ibama. Há suspeita de que trabalhadores sejam mantidos em regime de semi-escravidão, "importados" de outras cidades.
Já a Samsul, empresa com sede em Belo Horizonte e controlada pela Brazilian Diamonds, com capital estrangeiro, tem licença do Ministério de Minas e Energia para prospecção de jazidas de diamantes dentro da área oficial do parque.
"O ministério tem sua posição clara de que o parque tem 71.525 hectares e que, se qualquer mudança for feita, deve ser sustentado por arcabouços legais, considerando os vultosos investimentos em pesquisas minerais realizados no local que precisam também ser respeitados, e não simplesmente expropriados", diz o diretor-executivo da Samsul, Lucio Mauro Coelho. Ele confirma que o trabalho foi suspenso enquanto Ibama e MME discutem quem vencerá o conflito legal.
DIPLOMACIA
Para tentar desatar o nó, a Câmara dos Deputados discute o desenho do parque. Em agosto, uma audiência pública reuniu ambientalistas, produtores, mineradores e Ibama. O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) passou uma semana na região - a viagem ocorreu em novembro, atrasada por causa da crise política.
Ele defende que é preciso expandir além dos 71 mil hectares, mas sem expulsar os moradores tradicionais e com uma nova configuração, diferente da que está no papel - o que Ortega não vê com bons olhos. Em comum, Gabeira e Ibama concordam que a mineração deve ser encerrada.
Centenas de famílias moram dentro dos limites legais do parque. Uma das bases culturais e econômicas é o queijo canastra, que não pode ser produzido em larga escala porque usa leite cru - a legislação admite apenas o queijo feito de leite pasteurizado. O deputado recomenda que a proibição caia. "Na Europa, esse tipo de queijo é produzido sob regras rígidas de saneamento. Podemos fazer o mesmo no Brasil."
Sônia Riguera, da ONG Terra Brasilis, concorda que é possível manter o setor agropecuário na região em sintonia com a conservação, desde que algumas práticas sejam modificadas. "A indústria leiteira usa a queimada, sem cuidado com o solo. Mudar é complicado", afirma.
Além disso, existe uma discussão ainda aberta se o objetivo do parque foi alcançado. Ele foi criado pelo governo militar para proteger as nascentes do Rio São Francisco. Só que o desenhista parece ter errado a mão. Existe uma nascente "histórica", que fica dentro da área delimitada, mas análises recentes mostram que as principais fontes estão a 40 quilômetros do limite.

OESP, 15/12/2005, p. A24
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