Adeus, cinza

CB, Cidades, p. 28 - 16/11/2005
Adeus, cinza
Plantas renascem no Jardim Botânico. Mas samambaias são ameaça porque se proliferam como praga

Pablo Amaral Rebello
Da Equipe do Correio

O vento sopra sobre morros, campos e matas sem ameaçar plantas ou animais, que guardam marcas da tragédia ambiental recente. Menos de dois meses após o incêndio que devastou 80% de toda a área do Jardim Botânico, o verde se alastra sobre as cinzas ainda evidentes. A cena é de renascimento, mas há uma ameaça escondida na relva. Espalhadas onde antes estavam matas fechadas de vegetação florestal, as samambaias proliferam como praga, roubando território das plantas nativas. A situação preocupa a administração do Jardim Botânico.
"O problema da samambaia é que ela ocupa todo o terreno e cria um teto de folhas que impede a entrada da luz do sol, o que acaba por prejudicar o desenvolvimento das plantas nativas", explica a diretora Anajulia Heringer. O método para combater a proliferação da planta também não anima, pois elas precisam ser arrancadas do solo, uma a uma, pela raiz. Mas a questão da samambaia é apenas a ponta do iceberg. "Ainda não somos capazes de medir o tamanho do estrago que o incêndio causou ao bioma como um todo. Não sabemos o quanto de sementes, alimentos e fauna se perdeu, nem como isso se refletirá no meio ambiente", diz a diretora. "Temos espécies em extinção, como a arnica, que foram muito afetadas. Estimamos que os efeitos do fogo serão sentidos pelos próximos 10 anos", acrescenta.
Com o início do período chuvoso, funcionários e voluntários do Jardim Botânico começarão o trabalho de replantio de árvores nativas nas matas de galeria. A tarefa não será fácil, nem rápida. Pelas estimativas da administração, serão necessárias de 100 mil a 125 mil mudas para ocupar os cerca de 50 hectares atingidos pelo fogo. Anajúlia Heringer revela que o Jardim Botânico dispõe de 20 mil mudas para o começo do trabalho e que o restante seria doado pela Novacap. O plantio das novas mudas será realizado da beira do córrego, local de mais difícil acesso, para a periferia. Espera-se que as árvores, com dois metros de altura cada, ajudem a criar um teto de sombra que contribua para o combate às samambaias.
Recursos
O pessoal disponível, contudo, não é suficiente para o trabalho. "Contamos somente com 12 funcionários e 10 ajudantes cedidos por meio do convênio que temos com a Fundação de Amparo ao Preso (Funap) para fazer o trabalho. Para abrir 100 mil ou mais covas, precisaríamos de um batalhão", desabafa Anajúlia. A vice-governadora Maria de Lourdes Abadia prometeu, para o ano que vem, aumento de R$ 2 milhões no orçamento do Jardim Botânico. A liberação do recurso permitirá que a administração contrate pessoal terceirizado para ajudar no replantio. A instituição também busca o apoio de voluntários e parceiros que auxiliem na captação de recursos para a campanha Adote o Jardim Botânico. No site www.jardimbotanico.df.gov.br há informações sobre a campanha e formulário de inscrição.
Seja qual for o tamanho da ajuda financeira, o trabalho de replantio de mudas deve levar mais de um ano. Otimistas, os funcionários da instituição esperam plantar 50 mil mudas até o fim do período chuvoso. O restante do próximo ano será gasto com trabalhos de roçagem, retirada de plantas estranhas ao meio e recuperação da mata. Só com a chegada da próxima estação de chuvas será possível plantar o restante das mudas.
Em compensação, vegetação como campos limpos e cerrados se recupera mais rapidamente, por possuírem uma adaptação melhor que as vegetações florestais. Acostumadas com a ação das queimadas, a intensidade do fogo é que determina sua sobrevivência. Um fogo rápido, levado pelo vento, não prejudica tanto. Já um fogo longo, que permaneça intenso em um local específico, pode matá-las.
Na reserva do IBGE, ao lado do Jardim Botânico, onde o fogo consumiu 75% dos 1.350 hectares do terreno, a situação não é diferente. O professor do Departamento de Botânica da Universidade de Brasília (UnB), Augusto César Franco, 49, realizava pesquisas no local e afirma que ainda não há como prever quanto tempo levará para a mata se recompor. "Para ter uma avaliação do que morreu, precisamos esperar o começo do rebrotamento das plantas e o surgimento de novas folhas. Mas já enfrentamos a invasão de outras plantas danosas ao meio, como a samambaia e o capim gordura", complementa.

CB, 16/11/2005, Cidades, p. 28
UC:Estação Ecológica

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