Sempre-vivas podem virar patrimônio mundial pela FAO

O Tempo - http://www.otempo.com.br/ - 09/08/2019
Sempre-vivas podem virar patrimônio mundial pela FAO

Atividade no Vale do Jequitinhonha atua na preservação de espécies locais


A coleta das flores sempre-vivas, realizada há mais de um século por comunidades da serra do Espinhaço, na região do Jequitinhonha, está próxima de se tornar o primeiro sistema tradicional de agricultura do país e o terceiro da América do Sul a ter o selo de reconhecimento da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU).

No fim de julho, representantes do órgão estiveram na região - nos municípios de Buenópolis, Presidente Kubitschek e Diamantina - para atestar a forma de manejo da terra, a preservação da natureza e a riqueza cultural das cerca de 500 famílias.

A expectativa dos envolvidos no projeto, entre membros da comunidade e representantes do poder público, é que a concessão do selo de Sistema Agrícola Tradicional de Importância Mundial (Sipam) seja confirmada em novembro, na reunião do comitê científico da FAO em Roma, na Itália.
Segundo a coordenadora técnica da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), Márcia Bonetti, o trabalho realizado pelos apanhadores de sempre-vivas na parte meridional da serra do Espinhaço não se restringe aos conhecidos arranjos de flores.

Além de garantir a segurança alimentar e a subsistência das comunidades, a prática envolve rica biodiversidade agrícola e pecuária e é fundamental para a manutenção das espécies da região. "Tem todo um sistema de conhecimento tradicional mantido e repassado de pai para filho", explica Márcia.

Uma das principais características, destacadas pelos acadêmicos que desenvolveram um dossiê enviado à FAO, é a capacidade dos apanhadores de praticarem a agricultura em regiões que vão desde os 600 m de altitude até os 1.400 m, além de ser numa área em que o solo é de difícil manuseio e apresenta pouca aptidão para o plantio.

O professor do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG Aderval Costa Filho explica que a atividade data do fim da exploração dos diamantes, há cerca de dois séculos, e é fundamental para a sobrevivência das espécies.

"O manejo da sempre-viva não só assegurou renda e complementação de dieta à população, mas sempre possibilitou a manutenção das espécies. A falta de manejo humano pode, inclusive, extinguir essas espécies", conta Costa Filho, que também sublinha a diversidade religiosa dos grupos.

Valorização

Maria de Fátima Alves, a Tatinha, que é apanhadora de sempre-vivas e uma das coordenadoras da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas da Serra do Espinhaço de Minas Gerais (Codecex), afirma que a candidatura foi totalmente participativa.

"Ganhamos uma força muito grande durante o processo. Aprendemos o diálogo com o poder público e agora esperamos que ele possa coroar nossa luta por políticas públicas necessárias para a conservação da comunidade", diz Tatinha, citando a melhoria da educação e da infraestrutura como um dos pleitos dos integrantes.

Criação de parque nacional dificultou vida dos agricultores

Para a comunidade da serra do Espinhaço, o reconhecimento pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) ajudará na legitimação dos apanhadores, prejudicados pela demarcação de parques naturais que vedaram o acesso humano e causaram expulsão de moradores - muitos relegados à periferia de Diamantina.

Maria de Fátima Alves, a Tatinha, relembra que os embates com os órgãos ambientais, na década passada, geraram traumas. "Houve um esvaziamento, as pessoas começaram a deixar a região por medo. Até hoje existe um temor de qualquer carro branco que representa os órgãos ambientais", afirma a coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas da Serra do Espinhaço (Codecex). Mesmo assim, a população se reorganizou e começou a retomar os campos. "A necessidade faz a situação", diz Tatinha.

Uma das principais reivindicações é o acesso ao Parque Nacional das Sempre-Vivas. Segundo o pesquisador Aderval Costa Filho, da UFMG, a exclusão dos apanhadores da região delimitada pelo parque fez com que algumas espécies de sempre-vivas fossem ameaçadas de extinção.

Agora, a comunidade espera a celebração de um termo de compromisso entre a administração do parque e o Ministério Público Federal que, além de oficializar o acesso, transforme o parque numa reserva de desenvolvimento sustentável ou reserva extrativista.

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