Região do Descobrimento é a campeã de desmatamento, mostra relatório

FSP, Ciência, p. B4-B7 - 29/05/2017
Região do Descobrimento é a campeã de desmatamento, mostra relatório

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL AO SUL DA BAHIA

O ciclo de destruição da floresta atlântica, que começou em 1500 por causa dos europeus, volta a ficar ativo na Bahia, revelam dados de um mapeamento florestal da ONG SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Devido ao desmatamento no sul do Estado, a Bahia foi a campeã nacional de desmatamento da vegetação atlântica entre 2015 e 2016, segundo o atlas do desmatamento a que a Folha teve acesso.
No Estado, caíram 12.288 hectares de vegetação, um crescimento de 207% em relação à análise anterior, de 2014-2015. Três cidades do sul da Bahia -Santa Cruz de Cabrália, Belmonte e Porto Seguro- são responsáveis por metade desse total.
Bioma onde vivem 72% da população brasileira, a mata atlântica se estende, no Brasil, do Rio Grande do Sul ao Piauí.
Em todo o país, a derrubada aumentou 57,7% no período em comparação ao ano anterior. Houve uma redução de 29.075 hectares de floresta.
O índice preocupa os especialistas da SOS Mata Atlântica. Há dez anos não havia uma derrubada do bioma nessas proporções.
CABRÁLIA
Curiosamente, o atual processo de redução da mata atlântica no sul da Bahia tem componentes que remetem ao ciclo histórico dos tempos coloniais.
Alguns fatores geográficos e socioambientais do desmate não mudaram.
A primeira missa em solo brasileiro ocorreu na região da atual Santa Cruz de Cabrália. Lá os índios viviam em meio a uma rica floresta, e o pau-brasil logo virou valiosa matéria-prima, motivando disputas pelo território.
Durante dois séculos, entre 1500 e 1700, estimativas científicas indicam que mais de 460 mil árvores da espécie que dá nome ao Brasil acabaram ceifadas da exuberante floresta, hoje conhecida pelo nome de mata atlântica.
O processo colonial de desmatamento, que praticamente acabou com o pau-brasil, envolveu dos donos dos negócios (os europeus que exportavam a madeira e faziam os corantes) aos índios, que faziam o escambo.
Em um segundo período, também os escravos participaram.
Todos, por vários tipos de pressão ou dominação, participaram do aniquilamento.
A mesma Santa Cruz de Cabrália, além de Belmonte e Porto Seguro, três municípios da Costa do Descobrimento, aparecem na lista dos cinco maiores desmatadores.
A partir das coordenadas registradas pelo satélite, a expedição de campo, via estradas de terra entre propriedades privadas desertas, dá formato à destruição.
Após dois dias percorrendo o sul da Bahia, a diretora-executiva da SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, resume a situação: "É muito triste".
Os números captados pelas análises mostram que em Cabrália houve o desmate de 3.058 hectares de mata atlântica, mais de 10% do que caiu de todo o bioma no país.
Ainda não são claras as razões que levaram a esse aumento na região.
Na visita recente da reportagem à região, áreas estavam sendo limpas e madeiras eram retiradas por caminhões.
Nas propriedades vizinhas, fazendas de eucaliptos já engoliram a floresta nativa em anos anteriores, o que pode ter voltado a ocorrer, de acordo com os especialistas.
Contudo, nem toda ação de desmatamento, vista do alto, é ilegal. O mapeamento via satélite não separa os feitos dentro da lei dos de fora.
Algumas das ações de derrubada, principalmente em áreas públicas, são feitas pelos índios ou por pessoas que vivem em condição de subemprego.
TURISMO
O sul da Bahia, segundo Marcia Hirota, é rico em biodiversidade e tem grande potencial turístico, o que seria uma saída viável para o desenvolvimento socioambiental da região, segundo ela.
"Estamos destruindo um patrimônio importante, que poderia gerar desenvolvimento regional, trabalho e renda para a região", afirma.
A expedição também encontrou muitas áreas que foram destruídas parcialmente pelo fogo. A floresta acinzentada está morta. Os cadáveres expostos parecem em compasso de espera.
Nos próximos anos, dentro do ciclo atual de desmatamento em curso no sul da Bahia, os troncos asfixiados pelo fogo poderão continuar à mostra ou darem vez ao pasto ou a alguma monocultura.
Enquanto no Estado da Bahia restam 11% de mata atlântica, em todo o Brasil o índice é um pouco maior, 12%.

Os jornalistas EDUARDO GERAQUE e DIEGO PADGURSCHI viajaram ao sul da Bahia a convite da ONG SOS Mata Atlântica


Para líder pataxó, aldeias devem explorar turismo

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL AO SUL DA BAHIA

Toda a complexidade que envolve o termo desenvolvimento sustentável, por mais desgastado que ele esteja, está explícita em Porto Seguro (BA), aos pés do monte Pascoal, a montanha que motivou a esquadra de Cabral a anunciar "terra à vista".
Um dos pontos em vermelho nos mapas gerados pela ONG SOS Mata Atlântica e pelo Inpe mostra que o desmatamento da mata atlântica entre 2015 e 2016 aumentou dentro dos limites do Parque Nacional do Monte Pascoal.
"A retirada de madeira ocorre por causa dos índios e dos brancos também", afirma Osiel Ferreira Pataxó, 57, cacique da aldeia Pé do Monte.
Ele prefere que a sua gente ganhe a vida de outra forma. "Você sabe como funcionava o celular do índio?", pergunta o cacique ao repórter. Ao seu lado, dentro da floresta atlântica que cerca o monte Pascoal, uma gindiba, árvore gigantesca.
O cacique Pataxó começa a bater de forma ritmada no tronco da árvore para mostrar como os antigos índios se comunicavam entre si dentro da floresta.
"Nós precisamos de infraestrutura adequada para ganhar dinheiro com o turismo. Muitos visitantes, inclusive do exterior, costumam vir aqui", diz.
Na visão do líder indígena, o turismo, em vez do desmatamento, é a grande saída para as 17 aldeias que existem na região.
A madeira extraída do parque abastece fábricas de artesanato de cidades vizinhas. Elas exportam os produtos para vários comércios populares, inclusive os de São Paulo.


Atuação de ONG é relevante, mas não dá para falar em sucesso

MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO

Quando um grupo de estudantes da USP se revoltou contra o plano de construção de um aeroporto nas matas de Caucaia do Alto (periferia de São Paulo), ali por 1978, poucos poderiam imaginar que começava a nascer um dos mais bem-sucedidos projetos ambientalistas do Brasil.
Os jovens fundaram uma das primeiras ONGs verdes do país, a Oikos, em 1980.
Após cinco anos, o grupo deu origem à SOS Mata Atlântica, que iniciou o mapeamento dos remanescentes da floresta tropical que recebeu os portugueses e abrigou seus descendentes por cinco séculos, pagando alto preço por isso.
Graças a esses idealistas com senso prático e pendor científico, conta-se hoje com uma valiosa série histórica sobre o desmatamento no bioma que deu ao país nascente sua primeira fonte de renda, o pau-brasil.
E, por extensão, seu nome próprio.
No entanto, quando essa vigilância sistemática começou, há três décadas, já restava muito pouco a preservar: não mais que 181 mil km² do total original de 1,3 milhão de km².
Ou seja, 86% da mata atlântica já haviam sucumbido à aversão brasileira pelo "mato" quando aquela moçada passou a tentar nos convencer de que isso era um desastre.
Desde então, outros 19 mil km² se perderam, uma área equivalente a quase um Sergipe inteiro. A primeira floresta brasileira avistada se reduz a 12,5% do que era.
Seria decerto muito pior se a vigilância desencadeada pela SOS Mata Atlântica não tivesse existido, mas não dá para falar em sucesso.
É o Brasil inteiro que falha quando se mostra incapaz de preservar a floresta que recicla os recursos hídricos de que depende a maior parte de sua população, ainda concentrada nas capitais que margeiam a costa do Atlântico.
Nem mesmo a recomposição ora em curso pode, com honestidade, ser encarada de modo otimista.
Embora seja um fato positivo, não se trata de obra humana, mas de seu afastamento: o que ressurge da mata atlântica se dá por regeneração natural, principalmente, e não porque o replantio estimulado por ONGs como a SOS tenha alcançado escala significativa.
REGENERAÇÃO
Foram quase 2.200 km² de regeneração de 1985 a 2015, pouco menos que uma vez e meia a superfície da cidade de São Paulo. Cotejada com os 19 mil km² desmatados no mesmo período, a cifra não chega a ser animadora.
Isso não é motivo, decerto, para esmorecer.
Não só porque o que resta da mata atlântica merece ser preservado por seu valor histórico, paisagístico e de biodiversidade, mas também por razões práticas: precisamos da água que ela produz para sobreviver.

FSP, 29/05/2017, Ciência, p. B4-B7

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887871-regiao-do-descobrimento-e-a-campea-de-desmatamento-mostra-relatorio.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887880-contra-desmatamento-cacique-pataxo-prega-que-indios-foquem-no-turismo.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887730-apesar-da-sos-mata-atlantica-resta-muito-pouco-da-floresta.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887890-regeneracao-em-areas-abandonadas-de-mata-atlantica-anima-pesquisadores.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887735-folha-promove-debate-sobre-a-mata-atlantica-no-dia-do-meio-ambiente.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887707-parque-nacional-de-itatiaia-celebra-os-80-anos-com-novo-centro-de-visitantes.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887852-ventos-desmataram-area-equivalente-a-700-campos-de-futebol-em-sp-em-2016.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/05/1887907-veja-numeros-da-mata-atlantica-que-perdeu-2-mi-de-hectares-desde-1985.shtml
Mata Atlântica:Desmatamento

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