Alckmin, inimigo da perfeição?

Carta Capital - http://www.cartacapital.com.br/ - 26/07/2016
A pressa do governador tucano para aproveitar a água do Rio Itapanhaú irrita ambientalistas


Quando o tema é o abastecimento de água em São Paulo, o governo estadual opera de forma bipolar. Após anos de omissão em relação à expansão do sistema, o executivo decide agora apressar o passo, mas de forma inconsequente. Se antes o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, era cobrado pela letargia na gestão do sistema, agora ambientalistas criticam os métodos heterodoxos do governo tucano para acelerar o licenciamento de um dos principais empreendimentos destinados a aumentar a capacidade hídrica do estado.

Em meio ao racionamento em São Paulo entre 2014 e 2015, Alckmin estabeleceu como prioridade obras que ampliassem o abastecimento. A medida veio com uma década de atraso. Em 2004, quando o tucano exercia seu primeiro mandato como governador, a Sabesp recebeu alertas da Agência Nacional de Águas sobre a necessidade de se buscar novas fontes de captação. O tucano decidiu seguir a velha recomendação, quando a situação se tornou insustentável.

Desde o início da crise hídrica, o governo planejou três obras de grande porte para ampliar a oferta de água. O alto volume de chuvas deste ano, responsáveis por recuperar a capacidade dos reservatórios, afastou por ora a necessidade de improvisos como a redução da pressão nas torneiras. Hoje, outra pressão, a política, também ganhou força. O governo estadual parece disposto a garantir a qualquer custo a sustentabilidade no abastecimento, sem temer possíveis consequências sobre a conservação da própria natureza.

Em 24 de junho, a Fundação Florestal, órgão ambiental que administra 94 unidades de conservação em São Paulo, autorizou a execução da obra de interligação do Rio Itapanhaú com o Sistema Alto Tietê, que distribui água para 3,1 milhões de paulistanos. Com deságue no Oceano Atlântico, o rio corta importantes reservas florestais, entre elas os parques estaduais da Serra do Mar e Restinga da Bertioga e a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro.

Desde o fim de 2015, a fundação apontou em dois pareceres a insuficiência de "informações ambientais imprescindíveis" no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela Sabesp para garantir o licenciamento prévio. Após idas e vindas, com participação do governo na mediação das partes, o órgão abriu mão de um novo laudo a ser encomendado pela companhia de saneamento em lugar de um controverso "monitoramento em tempo real" de possíveis impactos na região.

Em janeiro deste ano, Luiz Fernando Rocha, então diretor-executivo da fundação, encaminhou à Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb) o primeiro parecer sobre o EIA. Assinado por Lélia Marino, assessora técnica do órgão, o documento levantava uma série de questões não respondidas pelo estudo da Sabesp.

Ao contrário da conclusão do EIA, segundo a qual o empreendimento causaria impacto de "pequena magnitude" no interior do parque da Serra do Mar, o primeiro parecer da fundação afirmava que o documento desconsiderava as interferências causadas no entorno da Unidade de Conservação, entre elas a perturbação da fauna local, o impacto da emissão de ruído das bombas para a captação de água e a "redução do aporte hídrico em si". Também não foi avaliado, segundo o parecer, o impacto de estradas de serviço e da circulação de indivíduos e veículos antes estranhos ao ambiente.

Em relação ao parque Restinga da Bertioga, o principal problema apontado é o impacto da redução da vazão do rio Itapanhaú no deslocamento da região de transição entre a restinga e o mangue e na variação da salinidade da água. Embora o documento da Sabesp apontasse para alterações pouco significativas nos ecossistemas do parque, o parecer afirmou que os "efeitos da eliminação de espécies de seus ambientes naturais não foram devidamente tratados".

Após Rocha encaminhar o primeiro parecer à Cetesb, foi realizada em 26 de janeiro uma reunião no Palácio dos Bandeirantes com a presença do então diretor-executivo da fundação e de quadros da Sabesp. Em seguida, Rocha determinou a criação de um novo grupo de trabalho para analisar o EIA. Em abril, a fundação lançou mais um parecer, assinado por Carlos Zacchi Neto, diretor do órgão na Baixada Santista, Litoral Norte, Vale do Paraíba e Mantiqueira, e por Maria Cristina Heilig, analista de recursos ambientais. Na mesma linha do parecer de dezembro, o órgão afirmou que as informações recebidas da Sabesp não permitiam "a emissão de parecer conclusivo".

Embora não tenha sido designado como um dos oito técnicos para compor o grupo de trabalho, Zacchi foi determinante para a autorização do empreendimento. Após assinar o segundo parecer inconclusivo, o diretor da fundação surge como signatário de um parecer de junho de 2016 no qual o órgão dá aval às obras. No documento, ele afirma que, "considerando a importância do empreendimento", buscou-se a construção em conjunto entre a fundação, a Sabesp e pesquisadores de "modo a viabilizar o empreendimento".

Para tanto, foi sugerido um plano de monitoramento "em tempo real" da variação da salinidade na região estuarina do Rio Itapanhaú, uma das intervenções que mais causam preocupação. O parecer determina ainda que, caso o nível de sal na água varie para "além da faixa de segurança", a salvaguarda ambiental será acionada.

Resta saber qual seria essa faixa de segurança. Procurado por CartaCapital, Zacchi afirma que esse limite será conhecido após o monitoramento das condições do local por um ano, o que permitiria uma base segura de operação para a captação futura da água. Sobre a possibilidade de a própria execução das obras causar danos ambientais, o diretor da fundação afirma que a implantação do empreendimento não vai gerar problemas na área do mangue. "Ela vai ocorrer em outro local e não vai interferir na variação da salinidade."

Embora se diga satisfeito com a solução, Zacchi pondera que teria sido melhor obter as informações antes do processo de licenciamento, mas aponta para o alto custo de um estudo mais aprofundado. "Esses dados não são baratos." O argumento sobre os altos valores é contraditório: em 2015, a Sabesp apresentou um lucro líquido de 536,3 milhões de reais.

Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, afirma que o monitoramento em tempo real não substitui um estudo adequado. "Seria como submeter um paciente a uma cirurgia de risco sem saber qual é o diagnóstico", critica. "Quando se realiza a transposição de uma bacia hidrográfica que sempre foi vertida para o oceano e passa a ser direcionada para o interior, altera-se um sistema milenar. A reversão tem de ser conceitualmente combinada."

O geógrafo Marcos Pedlowski, especialista em EIA, afirma que a Sabesp deveria ter sido instada a encomendar uma nova avaliação. "O estudo não segue critérios mínimos de qualidade", afirma. "Em vez de levar a primeira análise da fundação a sério, desqualifica-se o primeiro parecer até se obter o resultado desejado."

O Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público de São Paulo pediu vistas do processo e avalia quais ações poderão ser tomadas. A concessão do licenciamento prévio pode ser finalizada em um encontro do Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo na próxima quarta-feira 27.

Será a primeira reunião presidida por Ricardo Salles, nomeado secretário de Meio Ambiente na segunda-feira. Ex-secretário particular de Alckmin, o novo chefe da pasta é mais conhecido por ser o fundador do movimento Endireita Brasil, adepto da prática de oferecer prêmios para quem hostiliza adversários políticos, e por ser um entusiasta da "revolução" de 1964. Diante da negligência do governo estadual em relação ao possível impacto das obras do Itapanhaú sobre o meio ambiente, a escolha de um secretário com quase nenhuma experiência na área não é uma surpresa.

*Reportagem publicada originalmente na edição 911 de CartaCapital, com o título "Inimigo da perfeição"



http://www.cartacapital.com.br/revista/911/o-inimigo-da-perfeicao
Recursos Hídricos:Manancial

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Serra do Mar (PES)
  • UC Marinha do Litoral Centro
  • UC Restinga de Bertioga
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.