Rede Rio Negro discute Gestão e Ordenamento Territorial

ISA - http://www.socioambiental.org/ - 04/11/2011
Entre os dias 25 e 27 de outubro de 2001, a Rede Rio Negro, atualmente composta pelo ISA, FVA, IPÊ, WWF e Secoya, realizou o Seminário Prioridades para a Gestão e Ordenamento Territorial do Médio e Baixo Rio Negro, girando em torno de questões fundiárias, de atualização de propostas de criação de UCs, do Mosaico de áreas protegidas do Baixo Rio Negro e redefinição de limites de algumas áreas, entre outras.

Este seminário faz parte de um ciclo de discussões sobre o tema, iniciado em 2008, com: o I Seminário Sobre Ordenamento Territorial do Médio e Baixo Rio Negro; a oficina de Mapeamento Socioambiental da Bacia do Rio Negro LINK NSA, e o Seminário Questões Fundiárias Relativas à Presença Humana em Unidades de Conservação: aspectos conceituais, jurídicos e metodológicos. Em 2009, a Rede Rio Negro realizou o II Seminário Sobre Ordenamento Territorial do Médio Rio Negro e em setembro de 2011, o ISA, com apoio da Rede Rio Negro, realizou oficinas sobre Ordenamento Pesqueiro em Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.

Esta nova rodada de debates contou com a participação de instituições do poder público municipal, estadual e federal, além de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e pesquisadores.

A Rede Rio Negro tem como objetivo geral estabelecer um espaço de debate e intervenção socioambiental para construção de bases e propostas de promoção da qualidade de vida, da conservação, do uso sustentável e da repartição de benefícios da e na Bacia do Rio Negro, por meio de estratégias participativas de planejamento, execução e monitoramento das atividades relacionadas ao ordenamento e destinação do território.

Rio Negro, conservação e reconhecimento de direitos

A Bacia do Rio Negro caracteriza-se pela ocupação histórica de povos e comunidades tradicionais e por fisionomias florestais únicas de grande interesse para a conservação, manejo sustentável, e para a pesquisa científica. Esta região oferece ao mundo um enorme potencial para modelos locais de desenvolvimento sustentável. O Rio Negro, mais que uma região de altíssima diversidade socioambiental, é também uma arena estratégica para o diálogo interinstitucional e intercultural sobre uso sustentável de recursos naturais e repartição dos benefícios da biodiversidade.

A conservação da natureza e a manutenção do modo de vida tradicional nesta região, como produção de conhecimento, diversidade e serviços socioambientais, demandam e estão condicionadas a articulação dos agentes envolvidos e a implementação de ações inovadoras.

As sub-regiões desta bacia que foram tema de discussão do seminário, Baixo Rio Branco (trecho do rio no sul do Estado de Roraima e Rio Jauaperi), Baixo Rio Negro (município de Novo Airão e entorno de Manaus) e Médio Rio Negro (municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro) têm uma população residente de grande diversidade sócio cultural, reflexo do histórico de ocupação, dinâmicas migratórias e mobilidade social, intensificados pelos projetos nacionais de colonização e movimentos de exploração extrativista. Processos que levaram à região um grande contingente de portugueses, escravos - negros e indígenas -e posteriormente trabalhadores oriundos do nordeste brasileiro.

Hoje, a proximidade dos centros urbanos e a existência de uma malha rodoviária fazem do Baixo Rio negro e Baixo Rio Branco uma região de tensões e complexidades, com ocupação irregular do solo, grilagem, um grande número de Unidades de Conservação e uma grande pressão sobre os recursos naturais. Já o Médio Rio Negro tornou-se referência mundial em turismo de pesca esportiva mesmo com a ausência de regulamentação e descontentamento da população com os inúmeros conflitos em torno da pesca de peixes comestíveis e atividades extrativistas, sobretudo de fibras vegetais, madeira e seixos para construção civil.

Neste contexto, o atual desafio da sociedade civil organizada é assegurar a implementação dos direitos alcançados pelos povos tradicionais, inserir as populações locais nos processos de planejamento da conservação e do desenvolvimento, e gerar alternativas que demonstrem a viabilidade de uma economia baseada no uso sustentável dos recursos naturais, bem como no reconhecimento e na valorização das concepções e práticas culturais de cada um desses povos.

Prioridades para Gestão e Ordenamento Territorial

Para as discussões no seminário, foram selecionados temas prioritários que contaram com a participação de instituições governamentais e não-governamentais, e de lideranças e representantes de associações das comunidades do Baixo e Médio Rio Negro. Em um total de 36 instituições e uma média de 50 participantes por dia.

A Rede Rio Negro elaborou um texto conceitual com um resumo dos processos e temas que seriam discutidos no seminário e adotou como metodologia de apoio às mesas de debate, um grande mapa da região em debate para que as pessoas se localizassem e plotassem as iniciativas desenvolvidas, conflitos existentes, ou ainda locais que mereciam atenção por ameaças ou pela morosidade dos processos de ordenamento e gestão territorial em curso.

::Atualização de propostas de criação de UCs e regularização fundiária - Após a apresentação do estado da arte das iniciativas de criação de UCs feita pela Fundação Vitória Amazônica (FVA), Secretaria de Patrimônio da União (SPU) Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto de Terras do Amazonas (Iteam) relataram as ações de suas instituições no tema, versando sobre as competências de cada órgão e discutindo as dúvidas levantadas pelas lideranças e associações, especialmente no que toca à legislação e titulação de propriedades em áreas de uso e ocupação tradicional. Destaca-se que o Iteam comprometeu-se em apresentar à Rede Rio Negro, no prazo de 60 dias, um mapa com as áreas de domínio do Instituto de Terras do Amazonas.

::Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (veja área 1 no mapa) - O Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) apresentou o histórico de criação do Mosaico e os avanços até a realização da primeira reunião do Conselho do Mosaico, em setembro de 2011. Na sequência, o ICMBio, o Fórum Permanente para as Comunidades Rurais e Ribeirinhas de Manaus (Fopec) e o Centro Estadual de Unidades de Conservação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (CEUC-SDS) falaram sobre os objetivos desta figura jurídica, que visa a gestão integrada das Áreas Protegidas. A implementação do Mosaico depende ainda de recursos e da mobilização dos atores locais que encontraram nessa discussão a oportunidade de conhecer seu funcionamento e as possibilidades de, por meio dele, pensar políticas não somente para a conservação, mas também para geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população residente na área. Discutiu-se a viabilidade e benefícios potenciais relacionados às políticas públicas possíveis de serem implementadas em cada unidade do Mosaico.

::Questões fundiárias e redefinição de limites entre Parna Jaú e Resex Unini - A FVA apresentou a história dos processos de criação de ambas as UCs e o dilema do Parque Nacional do Jaú (área 2, no mapa) incidir na margem do rio onde reside a maioria da população tradicional. Há propostas de redelimitação visando incluir na Resex do Unini (área 3, no mapa) as áreas de uso e ocupação tradicional que hoje estão no Parna do Jaú e, para retomar a proposta inicial de criação do Parque de proteger uma bacia de águas pretas, este teria seu limite sul ampliado, na Bacia do Rio Carabinani. Ana Flávia Zingra, representante do ICMBio, falou da preocupação com a redelimitação dos limites do Parque, sugeriu a retomada do Grupo de Trabalho que discute o tema e a possibilidade de resolver parte dos conflitos por meio de Termos de Compromisso, considerando que alterações de limites de UCs, exigem projeto de lei. Marcelo Cavallini, diretor de criação de Áreas Protegidas do ICMBio ressaltou ainda que é preciso avaliar cuidadosamente as iniciativas de redelimitação, uma vez que projetos de lei não dependem apenas da proposta do ICMBio.

::Atualização dos Processos de Identificação e Demarcação de TIs - A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Asiba (Associação Indígena de Barcelos) e a Acimrn (Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro) relataram a história do movimento indígena em todo o Rio Negro e da reivindicação pela demarcação de Terras Indígenas (TIS) na região do Médio Rio Negro iniciada ainda em 1994, cujo processo caminha lentamente com os GTs (Grupos Técnicos) de identificação retomados em 2009. O ISA apresentou um breve histórico do processo de identificação das TIs realizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), desde as primeiras reivindicações.

As lideranças de outras regiões e associações presentes, manifestaram apoio à luta pela demarcação das TIs. A Funai foi representada pela Coordenação de Manaus (CGID), pelo Sr. Luis Ivenildo, que se comprometeu em solicitar à Coordenação Geral de Identificação e Delimitação o envio de um ofício comunicando formalmente ao Iteam a existência do processo de identificação nos municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, conforme requereu o órgão de regularização fundiária do Amazonas. Esta solicitação foi feita pela Foirn em fevereiro de 2011. Outro encaminhamento resultante desta discussão é a necessidade de solicitar à Funai informação sobre os próximos passos desse processo e perspectiva de conclusão da etapa de identificação.

::Recategorização do Parque Estadual Rio Negro Setor Sul (Parest RNSS) - O IPÊ abriu a conversa trazendo o histórico de criação do PAREST RNSS e os diversos conflitos que, hoje, inviabilizam a Unidade de Conservação, uma vez que esta foi criada em local de uso e ocupação de populações tradicionais. Além disso, o Parest (veja área 4, no mapa) está sobreposto em parte com o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) do Incra. Registra-se ainda a presença da Marinha e da Polícia Federal instaladas na área do Parque. recentemente, uma ação civil pública foi impetrada pelo MPF requerendo à Funai abertura de processo de identificação para demarcação de Terra Indígena reivindicada pelas populações indígenas que habitam o interior do Parque e seu entorno. O CEUC-SDS e Fopec discutiram com os presentes a proposta de redelimitação do Parque, recategorizando parte dele para criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) que englobaria o PDS do Incra. Segundo a Fopec, as três comunidades indígenas que requerem a demarcação das terras pretendem se unir ao movimento de luta pela criação da RDS reconhecendo todo o território como área de uso e ocupação tradicional de ribeirinhos.

::Parest Serra do Aracá e Flona Amazonas: Sobreposições na TI Yanomami - Temática que provocou muita discussão e perdurou por uma manhã ininterrupta durante o Seminário, contou com uma apresentação feita pela Secoya sobre o histórico do processo de criação da Flona (área 5, no mapa) e do Parest Serra do Aracá (veja área 6, no mapa), ressaltando os objetivos dessas figuras jurídicas, o impacto e os riscos da sobreposição com a TI Yanomami.

O ICMBio, CEUC-SDS, Hutukara Associação Yanomami e Ayrca (Associação Yanomami do rio Cauaboris e Afluentes) discutiram o tema e responderam às colocações e dúvidas dos participantes. O representante do CEUC-SDS se comprometeu a levar a demanda da Hutukara para a SDS revisar o Plano de Gestão do Parest Serra do Aracá antes de sua publicação, de forma a definir, em diálogo com o povo Yanomami, o que será feito na área de sobreposição. Em relação à Flona, a discussão apontou para a necessidade de revogação da mesma, pois, entre outros motivos, trata-se de uma UC de uso sustentável que é incompatível com o direito exclusivo de usufruto dos recursos naturais dentro do território Yanomami. Marcelo Cavallini e Caio Pamplona, ambos do ICMBio, informaram que é necessário receber uma solicitação formal da Hutukara e Ayrca para revogação da UC e paralisação do processo de criação do Conselho Consultivo até que se defina a resolução desta sobreposição negativa. Embora o ICMBio acredite que o Conselho Consultivo é um dos fóruns possível para encaminhamento oficial da solicitação de revogação, a Rede Rio Negro irá apoiar as associações para articular essa negociação sem que sejam investidos esforços e recursos desnecessários para a consolidação da Flona Amazonas.

::Situação do Processo de Criação da Resex Baixo Rio Branco - Jauaperi - WWF, AARJ (Associação dos Artesãos do Rio Jauaperi) e Associação Amazônia relataram o processo de luta pela criação da Resex, os entraves e caminhos percorridos até encaminhamento do processo junto ao ICMBio e posteriormente ao Ministério do Meio Ambiente. Discutiram esse tema os departamentos de criação de Áreas Protegidas do ICMBio e do MMA. Hoje, com todas as exigências legais para a criação da Resex já cumpridas, inclusive com a indicação favorável por outros ministérios e órgãos, a saber, Ministério de Minas e Energia, Governo do Estado do Amazonas e Funai, o processo encontra forte resistência do governo do Estado de Roraima. Neste momento, faz cinco anos, as comunidades do Rio Jauaperi aguardam a definição da Casa Civil para aconclusão do processo. A Rede Rio Negro e as lideranças e associações presentes encaminharão moção de apoio para criação da Resex Baixo Rio Branco-Jauaperi (área 7, no mapa).

::Ordenamento Pesqueiro no Rio Negro - O ISA apresentou um breve histórico da discussão sobre a organização das atividades pesqueiras e ações mais recentes apoiadas pela Rede Rio Negro, desde 2008, com intuito de promover o debate e criar condições para construção de propostas participativas para o ordenamento pesqueiro da região. Asiba, Acimrn, Aspasirn (Associação dos Pescadores Artesanais de Santa Isabel do Rio Negro), Colônia de Pesca Z-33, Ornapesca (Cooperativa de Pescadores Ornamentais), Abamads (Associação Barcelense de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), APNA (Associação de Pescadores de Novo Airão) falaram da situação enfrentada com a crescente pressão nos estoques pesqueiros e sua conseqüente diminuição, ameaçando a base alimentar dessa região: o peixe.

Apesar da ausência do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) no debate, foi lembrado por todos a necessidade de parceria com o órgão para elaboração de um plano de fiscalização e monitoramento. O CEUC-SDS acompanhou as discussões e apresentou as ações previstas, os avanços já feitos no Baixo Rio Negro (acordos de pesca de Novo Airão e o plano de gestão da APA Margem Direita) e encaminhou junto com as lideranças de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro uma agenda de trabalho positiva para o ordenamento pesqueiro.

A SDS pretende implementar o Decreto de Pesca da Bacia do Rio Negro (no. 31.151 de 6 de abril de 2011) em até três anos, prevendo pesquisa e fiscalização em apoio ao zoneamento pesqueiro. A SDS e o ICMBio solicitaram os resultados do Levantamento de Pesca ISA/Foirn 2011 para subsidiar as discussões e apoiar o planejamento de ações para o ordenamento pesqueiro e territorial da região. Outra demanda das associações, a revisão do Defeso, deve ocorrer no âmbito do Conselho Estadual de Pesca (Conepa) e será também encaminhada ao Comitê de Bacia a ser criado e gerido pelo Ministério da Pesca visando a discussão regionalizada do Defeso e outras política públicas voltadas para a atividade pesqueira. (As regiões do Médio Rio Negro e Novo Airão estão indicadas com o número 8, no mapa).

As discussões e encaminhamentos deste seminário, bem como o avanço dessas iniciativas serão publicadas pela Rede Rio Negro, com intuito de apresentar os avanços e entraves dos diferentes processos de gestão e ordenamento territorial neste trecho da bacia. Desta forma, pretende-se acompanhar a implementação das políticas públicas necessárias para equacionar as demandas e sobreposições. Espera-se que a publicação possa também colaborar para ampliar a circulação de informação e envolvimento dos diversos atores que vivem e enfrentam os conflitos existentes na região.

O seminário foi realizado com apoio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa, Fundação Moore, Fundação Rainforest da Noruega, e Horizont 3000 e teve a participação de: ISA, Ipê, FVA, WWF, Secoya, CEUC-SDS, ICMBio (DAP, Coordenação regional do Amazonas e analistas chefes das UCs - Flona Amazonas e Resex Unini), DAP-MMA, Foirn, Asiba, Acimrn, Colônia de Pesca Z-33, Aspasirn, Ornapesca, Comagept, Fopec, Apna, Abamads, AARJ, Hutukara, Ayrca, Associação Amazônia, Câmara Municipal de Barcelos, Pesquisadores da Ufam e Inpa, SPU-MP, MDA-SDT, Iteam, Amazonastur, Instituto Samauma, Biome, Funai - Coordenação Regional Manaus, Seind, Território da Pesca - Cáritas Manaus, Embrapa RR





http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3446
Bacia do Rio Negro

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