O desmanche das áreas protegidas brasileiras

Época - http://epoca.globo.com - 26/05/2017
As medidas aprovadas abrem precedente para novas ocupações de áreas preservadas em Unidades de Conservação na Amazônia, que ficarão ainda mais vulneráveis a crimes ambientais, como grilagem, garimpo e extração ilegal de madeira



A ratificação pelo Senado das Medidas Provisórias 756 e 758 que reduzem conjuntamente 597.000 hectares de áreas protegidas na Amazônia é apenas o prenúncio de um esfacelamento para o qual caminha o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e, com ele, um dos principais ativos de que dispõe a nação brasileira: suas florestas, com sua biodiversidade, os mananciais, a segurança hídrica e climática e toda a gama de serviços ecossistêmicos que elas representam.

Os senadores - com exceções dignas de nota - referendaram o que a Câmara dos Deputados havia aprovado dias antes. Esta, por sua vez, aproveitou-se da porta aberta pelo Executivo - que originou as medidas, diga-se - tornando-as ainda mais nocivas ao patrimônio nacional, reduzindo a proteção em nome de interesses de invasores de terras públicas, grileiros e forte lobby ruralista e dos setores de infraestrutura e mineração, conforme temos mostrado por meio de diversas publicações, análises e artigos.

A MP 756 modifica os limites do Parque Nacional do Rio Novo e da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, desmembrando parte de sua área para a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) do Jamanxim - deixando 37% da Flona vulnerável.

Tudo para acomodar ocupantes que, em sua maioria, resguardadas algumas exceções, invadiram a unidade de conservação depois de sua criação por decreto presidencial, apostando na ausência do Estado e na confiança da impunidade.

Não por acaso, a Flona do Jamanxim registrou, entre todas as unidades de conservação da Amazônia, os mais altos índices de desmatamento no ano passado.

De maneira sorrateira e oportunista, parlamentares ligados à bancada ruralista ainda incluíram nessa mesma medida a redução do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, um dos últimos remanescentes da Mata Atlântica protegidos no sul do Brasil.

A MP 758, por sua vez, reduz o Parque Nacional (Parna) de Jamanxim para abrir espaço às obras da ferrovia Ferrogrão, paralela à BR-163, ligando o Centro-Oeste ao norte do Pará, colocando a Amazônia cada vez mais perto do esquartejamento que já consumiu cerca de 30% da maior floresta tropical do mundo.

As medidas aprovadas abrem precedente para novas ocupações de áreas preservadas em Unidades de Conservação na Amazônia, que ficarão ainda mais vulneráveis a crimes ambientais, como grilagem, garimpo e extração ilegal de madeira.

Assim, Câmara e Senado contrariam compromissos internacionais assumidos pelo Brasil sobre clima e biodiversidade e que foram referendados pelo Congresso Nacional para que tivessem valor legal.

Jogam por terra também todos os recursos que nações amigas despejaram no Brasil para ajudar a manter as áreas protegidas. Especificamente, pode comprometer novos repasses de recursos internacionais pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa).

Agora, o mesmo Congresso Nacional que aquiesceu a todos esses acordos trabalha para desmanchar o que ajudou a construir. Não há sanidade nessa atitude. Nem bom senso.

As duas medidas seguem agora para sanção do presidente Michel Temer, que comprometido com sua base aliada, formada em grande parte pelos parlamentares que nas duas Casas aprovaram a redução das áreas protegidas, e precisando mais do que nunca de apoio político para manter-se no cargo diante dos escândalos que arrepiaram o país, tende a acatar o que vem do Parlamento.

Trata-se de rifar o Brasil.

O veto é uma esperança. Mas é longínqua, considerando a "índole" dos homens públicos que governam este país.

Em dossiê divulgado nesta semana, o WWF-Brasil denunciou o processo de redução de áreas protegidas no Brasil. Acesse aqui. O documento traz um grave alerta: a redução das UCs no oeste do Pará não vem sozinha.

Na mesma esteira, um grupo de parlamentares do estado do Amazonas articula para reduzir a proteção de nada menos que cerca de 1 milhão de hectares de áreas protegidas no sul daquele estado - justamente por onde avança a fronteira do desmatamento.

E não é só isso. Em Mato Grosso, o Parque Estadual Serra Ricardo Franco também está por um triz. Para atender - também nesse caso interesses de invasores, incluindo o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha -, os deputados estaduais se mobilizam para desmantelar a unidade de conservação que se encontra na fronteira entre o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia, sendo portanto de altíssimo valor para a conservação da biodiversidade.

Trata-se de um desmanche, orquestrado pelo setor mais atrasado do país e que ganha alento com a sinalização dada pelo Estado brasileiro de que vale a pena invadir, grilar, pilhar e apropriar-se das terras públicas sob regime de conservação.

Com essa sinalização, tais setores retrógrados aproveitam-se para colocar no paredão a Política Nacional do Meio Ambiente, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, os direitos dos pequenos agricultores, trabalhadores rurais e extrativistas que vivem diretamente vinculados à floresta, os direitos dos índios e dos quilombolas, bem como de todos os brasileiros que deveriam, pela Constituição, poder usufruir de um meio ambiente equilibrado. Está em jogo a soberania da Constituição dita "cidadã".

É, portanto, absolutamente necessário o veto integral do presidente Michel Temer às Medidas Provisórias 756 e 758, e que ele faça parar imediatamente quaisquer movimentos que possam colocar em risco as áreas protegidas e os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais. #vetatemer

* Maurício Voivodic é diretor executivo do WWF-Brasil.



http://epoca.globo.com/ciencia-e-meio-ambiente/blog-do-planeta/noticia/2017/05/o-desmanche-das-areas-protegidas-brasileiras.html
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